Instrumento Público ou Particular: Interpretação Sistemática da Forma do Negócio Jurídico

Instrumento Público ou Particular: Interpretação Sistemática da Forma do Negócio Jurídico

26/10/2023

Suse Paula Duarte Cruz Kleiber
Hipótese de alienação de imóvel sob a forma de permuta imobiliária “no local”.

Quando falamos sobre a “possibilidade” de ocorrer algum problema com a aquisição de imóveis, certamente não estamos divagando, pois, nós brasileiros, não somos muito afetos a contratações regulares.

Não à toa mais da metade dos imóveis são irregulares no Brasil, conforme esclareceu o Ministério do Desenvolvimento Regional1, o que fez surgir legislações específicas visando a outorga de títulos e, em alguns casos, de forma extrajudicial (desjudicialização).

Seguindo essa linha, cito rápidos exemplos, como a usucapião constitucional, lei 11.977/09, a qual, prevê a legitimação da posse e sua conversão em propriedade por usucapião via no tabelionato, desde que, preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal.

Posteriormente foi admitida a possibilidade de reconhecimento extrajudicial da usucapião sem ressalvas quanto à sua modalidade (art. 216-A inserido na lei 6.015/73 – Leis dos Registros Públicos, pela lei 13.105/15). E, recentemente a lei 13.485/22, conversão da MP 1.085/21, inseriu o art. 216-B na lei 6.015/73, possibilitando a adjudicação extrajudicial de imóveis.

Abro apenas um parêntese para relembrar que a adjudicação compulsória extrajudicial já vinha prevista no parágrafo 6º. do artigo 26 da Lei 6766/79 e em que pese houvesse discussão acerca da sua extensão, o entendimento majoritário a teor da lição do Desembargador JOSÉ OSÓRIO DE AZEVEDO JR é que “a interpretação que se impõe, a meu ver, é uma só: esse preceito do § 6º, em matéria de loteamento urbano, é genérico, e portanto aplicável a qualquer loteamento e não apenas aos especialíssimos “parcelamentos populares.”(A dispensa de escritura na venda de imóvel loteado. Crítica da orientação do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. Ano 10, 20, jul-dez/2007, p. 159).

Fechando o parêntese, a questão da regularização e registro de imóveis seja no momento da aquisição ou a posteriori não pode ser dissociada de eventuais surpresas desagradáveis que possam ocorrer: como quando há a venda do mesmo imóvel para mais de uma pessoa, ou quando há ônus e encargos sobre ele, como é o caso de processo judicial em curso e a existência de penhora, o que, pode vir a caracterizar fraude contra credores ou à execução, a depender do momento em que ocorre.

Sucessivas vendas via instrumento particular2 e outras hipóteses mais e por isso, a analise documental e pessoal quando da aquisição de imóveis faz-se tão premente. E à essa analise documental, como é comum no nosso país “americarnizarmos” institutos, chamamos de due diligence, ou seja, um levante de documentos relativos ao imóvel a ser adquirido e a cadeia de vendedores e compradores, amparado no dever geral de cautela, visando identificar riscos. E nesse momento podemos nos deparar com a fraude contra credores ou contra a execução, que pode impactar nos contratos de “Permuta no Local” que será o objeto dessa breve resenha. Feitas essas iniciais considerações para justificar que o contrato de permuta no local que vem disciplinado no art. 39 da lei 4.591/64 e ocorre quando o proprietário de um terreno transfere parte dele para o incorporador e o pagamento se dará através de algumas unidades que serão nele edificadas, ocorrendo a troca do lote por algumas unidades também precisa de cuidados. Bom que se diga que o proprietário não tem qualquer obrigação quanto à construção ou entrega do empreendimento, receberá sua parte (em unidades) quando a promessa de construção for efetivamente cumprida pelo incorporador, quem venderá as unidades na planta.

O proprietário do terreno, assim como os adquirentes das unidades estão à mercê da conclusão da obra pelo incorporador, portanto.

A fraude a credores ocorre quando o devedor sabedor das suas dívidas voluntariamente dilapida seu patrimônio visando exclusivamente não as saldar junto aos seus credores. A fraude à execução, por sua vez, depende da existência de um processo judicial em curso e o regular registro, na matrícula do imóvel, da penhora ou outro ato de constrição judicial ou averbação premonitória ou a prova da má-fé do terceiro adquirente, conforme dispõe o art. 792 do Código de Processo Civil.

Como abordado anteriormente, a maioria não tem o hábito de analisar documentos do imóvel e do vendedor antes de efetuarem aquisições ou permutas e muito menos de efetivar as transações via escritura e contínuo registro no álbum imobiliário, por vezes, até mesmo pelos altos custos deles. Mas o registro da penhora ou de qualquer outro ato de constrição judicial ou da averbação da certidão do ajuizamento de ação de execução contra o proprietário que recaia sobre o imóvel permutado é requisito para que a fraude contra credores seja reconhecida.

Esse entendimento já era Sumulado, Súmula 3753 do Superior Tribunal de Justiça.

Pois bem, o art. 54 da lei 13.097/15, seguindo essa orientação deu extrema importância aos atos que são registrados/averbados na matrícula dos imóveis, fazendo prevalecer a boa-fé do adquirente se nada contiver na matrícula quanto aos ônus.  Todavia, com o posterior advento do art. 792 do Código de Processo Civil, muitos doutrinadores passaram a defender que o art. 54 da lei 13.097/15 havia sido revogado e a boa-fé do adquirente passou a ser presumida, cabendo a prova da má-fé.

E para aumentar a “segurança e dispensa” da apresentação de vasta documentação, talvez até afastando a due diligence, a MP 1.085/21, convertida na lei 14.385/22, incluiu o § 2º. ao art. 54 da lei 13.097/15, que pode ser lido como desobrigação da apresentação das certidões de distribuição forenses, afinal, se o ônus não está averbado/registrado na matrícula ele não existe, bastando para a lavratura da escritura pública os documentos exigidos pela lei 7.433/85, por força do princípio da concentração dos atos na matrícula.

Diz o novel texto: “Art. 54… § 2º Para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos a que se refere o caput deste artigo ou para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente de imóvel ou beneficiário de direito real, não serão exigidas: I – a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões além daqueles requeridos nos termos do § 2º do art. 1º da lei 7.433, de 18 de dezembro de 1985; II – a apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais”.

Consoante o tudo quanto dito, entendo ser possível a ocorrência de fraude contra credores ou à execução nos contratos por permuta “no local”, ainda que rara, principalmente se a parte do terreno que ficou para o dono dele não for capaz de saldar débitos e se o empreendimento, por qualquer razão, não for construído e as unidades futuras não pagarem a outra parte dele, podendo caracterizar a sua insolvência.

De tal modo, mesmo com as recentes alterações legislativas mostra-se necessária a realização da due dilligence antes da concretização de qualquer negócio jurídico, mormente quando há investimentos vultuosos e responsabilidades envolvidos, embora, não me soe nada razoável que grandes incorporadoras realizem contrato de permuta “no local” sem avaliarem detalhadamente as condições documentais do terreno, do seu proprietário e antecessores, ainda que o supra mencionado § 2º. do art. 54 da lei 13.097/15 consagre (ou tente consagrar) os princípios da boa-fé do adquirente e da segurança jurídica.

Por fim, insta registrar que o credor/exequente terá que demonstrar a má-fé do terceiro adquirente na aquisição/permuta do bem, quando aquele primeiro não tiver tomado todas as medidas necessárias visando registrar atos de expropriação na matrícula do imóvel, considerando que “a simples existência de ação em curso no momento da alienação do bem não é suficiente para evidenciar a fraude de execução, sendo necessário, caso não haja penhora anterior devidamente registrada, que se prove o conhecimento da referida ação judicial pelo adquirente para que se possa considerar caracterizada a sua má-fé, bem como o conluio fraudulento4”.

E recentemente a 3ª Turma do STJ5, por unanimidade, entendeu “que a transferência de imóvel pelo devedor à filha menor de idade – tornando-se insolvente – caracteriza fraude à execução, independentemente de haver execução pendente ou penhora averbada na matrícula imobiliária, ou mesmo prova de má-fé”.

E a Relatora do recurso no STJ, Min. Nancy Andrighi, ponderou que “a inscrição da penhora no registro do bem não constitui elemento integrativo do ato, mas requisito de eficácia perante terceiros. Por essa razão, o prévio registro da penhora gera presunção absoluta (juris et de jure) de conhecimento para terceiros e, portanto, de fraude à execução caso o bem seja alienado ou onerado após a averbação.” A Ministra ressaltou “que não caberia à empresa comprovar a má-fé da embargante, pois o devedor transferiu seu patrimônio em favor de descendente menor, como maneira de fugir de sua responsabilidade perante os credores e não reconhecer que a execução foi fraudada porque não houve registro de penhora ou da pendência de ação de execução, já que não se cogitou de má-fé da filha, “oportunizaria transferências a filhos menores, reduzindo o devedor à insolvência e impossibilitando a satisfação do crédito do exequente, que também age de boa-fé”.


1 https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/07/28/interna-brasil,774183/imoveis-irregulares-no-brasil.shtml

2 STJ analisou caso de vendas sucessivas e fraude à execução no REsp 1863952, Ministra Nancy

Andrighi

3 Súmula 375: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.

4 STJ, AgInt no AREsp 1140622/SP; STJ, REsp 661103/SP; STJ, REsp 457768/SP; STJ, REsp

509827/SP e “Embargos de terceiro. Aquisição de imóvel sobre o qual à época do negócio não havia registro de penhora. Inocorrência de prova de que o adquirente sabia do processo em curso contra os alienantes. Presunção de aquisição em boa-fé não descaracterizada. Embargos procedentes. Recurso improvido.” (TJSP, Apelação Cível nº 1010093-69.2019.8.26.0606)

5 STJ,  REsp 1.981.646, disponível em https://www.juruadocs.com/noticias/844-transferencia-de-bem-para-descendente-mesmo-sem-aver, publicado em 17-10-2022, acesso 29-10-2022

 

Suse Paula Duarte Cruz Kleiber
Advogada especialista em Direito Condominial.

Da possibilidade ou não de configuração de fraude contra credores ou fraude à execução

Da possibilidade ou não de configuração de fraude contra credores ou fraude à execução

26/10/2023

Suse Paula Duarte Cruz Kleiber
Hipótese de alienação de imóvel sob a forma de permuta imobiliária “no local”.

 

Quando falamos sobre a “possibilidade” de ocorrer algum problema com a aquisição de imóveis, certamente não estamos divagando, pois, nós brasileiros, não somos muito afetos a contratações regulares.

Não à toa mais da metade dos imóveis são irregulares no Brasil, conforme esclareceu o Ministério do Desenvolvimento Regional1, o que fez surgir legislações específicas visando a outorga de títulos e, em alguns casos, de forma extrajudicial (desjudicialização).

Seguindo essa linha, cito rápidos exemplos, como a usucapião constitucional, lei 11.977/09, a qual, prevê a legitimação da posse e sua conversão em propriedade por usucapião via no tabelionato, desde que, preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal.

Posteriormente foi admitida a possibilidade de reconhecimento extrajudicial da usucapião sem ressalvas quanto à sua modalidade (art. 216-A inserido na lei 6.015/73 – Leis dos Registros Públicos, pela lei 13.105/15). E, recentemente a lei 13.485/22, conversão da MP 1.085/21, inseriu o art. 216-B na lei 6.015/73, possibilitando a adjudicação extrajudicial de imóveis.

Abro apenas um parêntese para relembrar que a adjudicação compulsória extrajudicial já vinha prevista no parágrafo 6º. do artigo 26 da Lei 6766/79 e em que pese houvesse discussão acerca da sua extensão, o entendimento majoritário a teor da lição do Desembargador JOSÉ OSÓRIO DE AZEVEDO JR é que “a interpretação que se impõe, a meu ver, é uma só: esse preceito do § 6º, em matéria de loteamento urbano, é genérico, e portanto aplicável a qualquer loteamento e não apenas aos especialíssimos “parcelamentos populares.”(A dispensa de escritura na venda de imóvel loteado. Crítica da orientação do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. Ano 10, 20, jul-dez/2007, p. 159).

Fechando o parêntese, a questão da regularização e registro de imóveis seja no momento da aquisição ou a posteriori não pode ser dissociada de eventuais surpresas desagradáveis que possam ocorrer: como quando há a venda do mesmo imóvel para mais de uma pessoa, ou quando há ônus e encargos sobre ele, como é o caso de processo judicial em curso e a existência de penhora, o que, pode vir a caracterizar fraude contra credores ou à execução, a depender do momento em que ocorre.

Sucessivas vendas via instrumento particular2 e outras hipóteses mais e por isso, a analise documental e pessoal quando da aquisição de imóveis faz-se tão premente. E à essa analise documental, como é comum no nosso país “americarnizarmos” institutos, chamamos de due diligence, ou seja, um levante de documentos relativos ao imóvel a ser adquirido e a cadeia de vendedores e compradores, amparado no dever geral de cautela, visando identificar riscos. E nesse momento podemos nos deparar com a fraude contra credores ou contra a execução, que pode impactar nos contratos de “Permuta no Local” que será o objeto dessa breve resenha. Feitas essas iniciais considerações para justificar que o contrato de permuta no local que vem disciplinado no art. 39 da lei 4.591/64 e ocorre quando o proprietário de um terreno transfere parte dele para o incorporador e o pagamento se dará através de algumas unidades que serão nele edificadas, ocorrendo a troca do lote por algumas unidades também precisa de cuidados. Bom que se diga que o proprietário não tem qualquer obrigação quanto à construção ou entrega do empreendimento, receberá sua parte (em unidades) quando a promessa de construção for efetivamente cumprida pelo incorporador, quem venderá as unidades na planta.

O proprietário do terreno, assim como os adquirentes das unidades estão à mercê da conclusão da obra pelo incorporador, portanto.

A fraude a credores ocorre quando o devedor sabedor das suas dívidas voluntariamente dilapida seu patrimônio visando exclusivamente não as saldar junto aos seus credores. A fraude à execução, por sua vez, depende da existência de um processo judicial em curso e o regular registro, na matrícula do imóvel, da penhora ou outro ato de constrição judicial ou averbação premonitória ou a prova da má-fé do terceiro adquirente, conforme dispõe o art. 792 do Código de Processo Civil.

Como abordado anteriormente, a maioria não tem o hábito de analisar documentos do imóvel e do vendedor antes de efetuarem aquisições ou permutas e muito menos de efetivar as transações via escritura e contínuo registro no álbum imobiliário, por vezes, até mesmo pelos altos custos deles. Mas o registro da penhora ou de qualquer outro ato de constrição judicial ou da averbação da certidão do ajuizamento de ação de execução contra o proprietário que recaia sobre o imóvel permutado é requisito para que a fraude contra credores seja reconhecida.

Esse entendimento já era Sumulado, Súmula 3753 do Superior Tribunal de Justiça.

Pois bem, o art. 54 da lei 13.097/15, seguindo essa orientação deu extrema importância aos atos que são registrados/averbados na matrícula dos imóveis, fazendo prevalecer a boa-fé do adquirente se nada contiver na matrícula quanto aos ônus.  Todavia, com o posterior advento do art. 792 do Código de Processo Civil, muitos doutrinadores passaram a defender que o art. 54 da lei 13.097/15 havia sido revogado e a boa-fé do adquirente passou a ser presumida, cabendo a prova da má-fé.

E para aumentar a “segurança e dispensa” da apresentação de vasta documentação, talvez até afastando a due diligence, a MP 1.085/21, convertida na lei 14.385/22, incluiu o § 2º. ao art. 54 da lei 13.097/15, que pode ser lido como desobrigação da apresentação das certidões de distribuição forenses, afinal, se o ônus não está averbado/registrado na matrícula ele não existe, bastando para a lavratura da escritura pública os documentos exigidos pela lei 7.433/85, por força do princípio da concentração dos atos na matrícula.

Diz o novel texto: “Art. 54… § 2º Para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos a que se refere o caput deste artigo ou para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente de imóvel ou beneficiário de direito real, não serão exigidas: I – a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões além daqueles requeridos nos termos do § 2º do art. 1º da lei 7.433, de 18 de dezembro de 1985; II – a apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais”.

Consoante o tudo quanto dito, entendo ser possível a ocorrência de fraude contra credores ou à execução nos contratos por permuta “no local”, ainda que rara, principalmente se a parte do terreno que ficou para o dono dele não for capaz de saldar débitos e se o empreendimento, por qualquer razão, não for construído e as unidades futuras não pagarem a outra parte dele, podendo caracterizar a sua insolvência.

De tal modo, mesmo com as recentes alterações legislativas mostra-se necessária a realização da due dilligence antes da concretização de qualquer negócio jurídico, mormente quando há investimentos vultuosos e responsabilidades envolvidos, embora, não me soe nada razoável que grandes incorporadoras realizem contrato de permuta “no local” sem avaliarem detalhadamente as condições documentais do terreno, do seu proprietário e antecessores, ainda que o supra mencionado § 2º. do art. 54 da lei 13.097/15 consagre (ou tente consagrar) os princípios da boa-fé do adquirente e da segurança jurídica.

Por fim, insta registrar que o credor/exequente terá que demonstrar a má-fé do terceiro adquirente na aquisição/permuta do bem, quando aquele primeiro não tiver tomado todas as medidas necessárias visando registrar atos de expropriação na matrícula do imóvel, considerando que “a simples existência de ação em curso no momento da alienação do bem não é suficiente para evidenciar a fraude de execução, sendo necessário, caso não haja penhora anterior devidamente registrada, que se prove o conhecimento da referida ação judicial pelo adquirente para que se possa considerar caracterizada a sua má-fé, bem como o conluio fraudulento4”.

E recentemente a 3ª Turma do STJ5, por unanimidade, entendeu “que a transferência de imóvel pelo devedor à filha menor de idade – tornando-se insolvente – caracteriza fraude à execução, independentemente de haver execução pendente ou penhora averbada na matrícula imobiliária, ou mesmo prova de má-fé”.

E a Relatora do recurso no STJ, Min. Nancy Andrighi, ponderou que “a inscrição da penhora no registro do bem não constitui elemento integrativo do ato, mas requisito de eficácia perante terceiros. Por essa razão, o prévio registro da penhora gera presunção absoluta (juris et de jure) de conhecimento para terceiros e, portanto, de fraude à execução caso o bem seja alienado ou onerado após a averbação.” A Ministra ressaltou “que não caberia à empresa comprovar a má-fé da embargante, pois o devedor transferiu seu patrimônio em favor de descendente menor, como maneira de fugir de sua responsabilidade perante os credores e não reconhecer que a execução foi fraudada porque não houve registro de penhora ou da pendência de ação de execução, já que não se cogitou de má-fé da filha, “oportunizaria transferências a filhos menores, reduzindo o devedor à insolvência e impossibilitando a satisfação do crédito do exequente, que também age de boa-fé”.


1 https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/07/28/interna-brasil,774183/imoveis-irregulares-no-brasil.shtml

2 STJ analisou caso de vendas sucessivas e fraude à execução no REsp 1863952, Ministra Nancy

Andrighi

3 Súmula 375: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.

4 STJ, AgInt no AREsp 1140622/SP; STJ, REsp 661103/SP; STJ, REsp 457768/SP; STJ, REsp

509827/SP e “Embargos de terceiro. Aquisição de imóvel sobre o qual à época do negócio não havia registro de penhora. Inocorrência de prova de que o adquirente sabia do processo em curso contra os alienantes. Presunção de aquisição em boa-fé não descaracterizada. Embargos procedentes. Recurso improvido.” (TJSP, Apelação Cível nº 1010093-69.2019.8.26.0606)

5 STJ,  REsp 1.981.646, disponível em https://www.juruadocs.com/noticias/844-transferencia-de-bem-para-descendente-mesmo-sem-aver, publicado em 17-10-2022, acesso 29-10-2022

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Suse Paula Duarte Cruz Kleiber
Advogada especialista em Direito Condominial.

ESG e os ODS?S ? A engrenagem perfeita, o que são e como utilizá-los nos mercados condominial e imobiliário

ESG e os ODS?S ? A engrenagem perfeita, o que são e como utilizá-los nos mercados condominial e imobiliário

26/10/2023

Os 17 ODS´s através da implementação do ESG evitaremos a corrupção e com isso a pobreza, a violência, a desigualdade, a instabilidade e descrédito das instituições e governantes.

Vivemos num mundo cujas informações nos atropelam quase que na velocidade da luz. Há tanto por fazer, tanto por aprender. Inovações, facilidades, praticidades e siglas, siglas muitas delas. São normas reguladoras, normas técnicas, artigos de leis nacionais, estaduais, municipais e as principais: ESG e os ODS’s.

Embora soubesse os seus significados percebi o quão importante são e decidi estuda-los com mais profundidade na escola: a IGC1 junto à Faculdade de Direito de Coimbra, Portugal.

Certamente será necessário muito mais que um artigo de breves linhas para explicá-los, mas a ideia central é chamar a atenção dos mercados condominial e imobiliário para a existência deles e sua urgente implementação nesses meios, afinal, são mais de 68 milhões2 de pessoas que moram em condomínios no Brasil, sem consideramos as que neles trabalham, as empresas que os planejam, os constroem, administram e realizam  transações como as imobiliárias e ainda os cartórios de notas e de registro de imóveis que os trazem à vida jurídica, outorgando-lhes publicidade, autenticidade, segurança e eficácia.

É um número astronômico, portanto, carente de conhecimento emergente do que é o ESG, sua implementação visando atingir os ODS’s.

 Adianto que todas a normas, regras, leis e artigos mencionados acima fazem parte do ESG como verão adiante e, portanto, eles são ao meu sentir o princípio de tudo. Desde quando iniciei nos estudos desse tema me chamou a atenção para trazer para vocês, leitores, uma explanação mais simples e direta deles e do impacto que têm no dia a dia do nosso sistema imobiliário (desde sempre) e do quanto será inevitável a sua  implantação, logicamente através de profissionais habilitados.

Guardem isso: Não levará muito tempo e vocês ouvirão falar demais dos ESG e ODS’s e da necessidade emergencial de implantá-los no seu condomínio e lembrarão desse texto.

Bem, ESG é uma sigla em inglês das palavras environmental, social, and corporate governance, traduzidas  são meio ambiente, social e governança.

O ESG, se presta para reforçar por meio das boas práticas que o meio AMBIENTE, as pessoas (SOCIAL) e a gestão documental (GOVERNANÇA) estão sendo observados e preservados. A proteção ao meio ambiente e à pessoa ficou bem demonstrados acima e a governança vem bem descrita naquelas medidas para impedir a prática de corrupção nas suas mais variadas formas.  São a racioanalidade, legalidade, coerência, transparência.

Os ODS’s são os 173Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e abarcam temas relacionados ao meio ambiente, pessoas, crescimentos econômico e social para a agenda 2030 e que os países signatários se empenharão para cumprimento.

O mais interessante dos ESG e dos ODS’s é que um está intimamente ligado ao outro, ou seja, olhando mais cautelosamente para um, refletirá e alcançará o outro.  Alguns exemplos simples permitirão a vocês fazerem um exercício de aplicação e irradiação dos ODS’s entre si.  Então, vamos a eles:

O que a ODS 1 – Erradicação da pobreza – impacta no nosso dia a dia e nos outros ODS’s?

Se as pessoas ficam longe da pobreza, melhoramos a segurança e tornamos as cidades mais inclusivas = atingimos sem muito esforço dos Ods’s 2, 3, 11, 10 e 16.

Agora vamos colocar esse exercício dentro do seu condomínio: Se nosso colaborador  tem acesso à alimentação e água de qualidade, educação e cidades organizadas (ODS’s 1, 2, 3, 4,6, 8 e 11), terá melhoria no desempenho de suas funções e, portanto, trará benefícios, crescimento e redução de custos para o seu condomínio.

Mais um exemplo: Quando a empresa que presta serviços para o  condomínio em que moramos ou trabalhamos se preocupa com o meio ambiente, com os seus funcionários ela pratica ESG e atinge os ODS’s, em especial, os de números 07,08,09,10,12 e assim por diante.

Outro aspecto importante e que não pode fugir desse exercício: O porteiro que se senta numa cadeira inadequada ou a faxineira que lida com produtos químicos sem proteção, poderão ser acometidos de doenças já que o ambiente de trabalho é insalubre e não cumpre com as medidas ergonômicas. Seu eventual afastamento trará prejuízos financeiros para todos, inclusive com o acionamento do INSS. Além das questões práticas incômodas com a substituição do funcionário etc.

Outras avaliações que parecem singelas, mas são importantíssimas referem-se ao descarte correto do lixo orgânico, do lixo reciclável, consumo consciente de água, energia elétrica. Logicamente, todas essas questões estão relacionadas aos impactos ambientais, de proteção e preservação de nós, seres humanos, mas também se relacionam, inegavelmente à redução de custos.

Não podemos ser hipócritas em acreditar que empresas não buscam lucro e que nós não almejamos pagar menos pelos serviços sem perder a qualidade e a efetivação dessas medidas, certamente gerarão economia.

Analisemos o exemplo do funcionário em ambiente insalubre. Se a ele forem assegurados alimentação, água, moradia, transporte e empregados dignos o empregador terá menos despesas com afastamentos, o sistema de saúde e seguridade arcarão com menos benefícios e assim por diante.

Quando consumimos menos água, temos economia e com isso nos sobra verba para outros investimentos e assim sucessivamente.

Claríssimo que os ODS’s são aplicáveis a toda a cadeia do mercado desde o nascedouro através do projeto e execução pela incorporadora e/ou construtora dos empreendimentos até o presente momento quando abrimos uma torneira. A escolha do material  que será utilizado na construção do empreendimento  começa  pelo ESG (avaliar o impacto ambiental, social e toda documentação legal e financeira evitando a corrupção) incidirá nos ODS’s.

 As tão cobradas NBR’s aplicáveis aos condomínios para que as construções sejam confortáveis e sustentáveis como a de desempenho e de manutenção 15.573/13 e 5674/12, dentre outras é ESG!

Simples compreender, então, que um não escapa ao outro. É uma engrenagem perfeita!

E todas siglas que vimos têm por desiderato proteger os seres humanos, seus direitos e a vida na terra.

Se exigirmos que os nossos direitos e de todos aqueles que nos cercam sejam cumpridos e, portanto, os 17 ODS’s através da implementação do ESG evitaremos a corrupção e com isso a pobreza, a violência, a desigualdade, a instabilidade e descrédito das instituições e governantes.

Cabe a cada um de nós cumprir e fazer com que se cumpra o ESG.

Uma dica preciosa para começar a implementar o ESG no seu ambiente: Chamem as crianças e peçam que façam desenhos de como eles enxergam o condomínio onde moram e depois de como gostariam que ele fosse.

Tenho certeza que vocês perceberão o quanto podem melhorar a suas vidas, a dos seus filhos, vizinhos e aos poucos a do mundo e isso ocorrerá através da aplicação incansável do ESG, a engrenagem perfeita.


1  https://igc.fd.uc.pt/quemsomos.asp?id=1

2  https://www.abcdoabc.com.br/brasil-mundo/noticia/68-milhoes-brasileiros-moram-apartamentos-aponta-pesquisa-205868

3 ODS 1: Erradicação da pobreza: acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares.

ODS 2: Fome zero e agricultura sustentável: acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável.

ODS 3 : Saúde e bem-estar: assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades.

ODS 4 :Educação de qualidade: assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.

ODS 5 :Igualdade de gênero: alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.

ODS 6:  Água potável e saneamento: garantir disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento para todos.

ODS 7 :Energia limpa e acessível: garantir acesso à energia barata, confiável, sustentável e renovável para todos.

ODS 8 :Trabalho decente e crescimento econômico: promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos.

ODS 9 :Indústria, inovação e infraestrutura: construir infraestrutura resiliente, promover a industrialização inclusiva e sustentável, e fomentar a inovação.

ODS 10: Redução das desigualdades: reduzir as desigualdades dentro dos países e entre eles.

ODS 11: Cidades e comunidades sustentáveis: tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.

ODS 12 :Consumo e produção responsáveis: assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis.

ODS 13 :Ação contra a mudança global do clima: tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos.

ODS 14: Vida na água: conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável.

ODS 15 :Vida terrestre: proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da Terra e deter a perda da biodiversidade.

ODS 16 : Paz, justiça e instituições eficazes: promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.

ODS 17 :Parcerias e meios de implementação: fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável