As exigências ilegais do cadastro ambiental rural nas NSCGJ

As exigências ilegais do cadastro ambiental rural nas NSCGJ

26/10/2023

As Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo (NSCGJ) impõem a obrigatoriedade da averbação do número de inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural (CAR) para atos registrários, apesar da publicação do atual Código Florestal (lei 12.651/12), que desobrigou a averbação da Área de Reserva Legal e não estabeleceu prazo para a inscrição no CAR.

O atual Código Florestal criou o Cadastro Ambiental Rural para fins de planejamento ambiental e desenvolvimento sustentável. De acordo com o art. 29:

É criado o Cadastro Ambiental Rural – CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

A inscrição do imóvel ou posse rural no CAR é obrigatória e, atualmente, o seu prazo para inscrição é indeterminado, por força da lei 13.887/19, que alterou o § 3º do artigo 29 da lei 12.651/12: “§ 3º A inscrição no CAR é obrigatória e por prazo indeterminado para todas as propriedades e posses rurais”.

O registro da Área de Reserva Legal no CAR desobriga a sua averbação à margem da matrícula, conforme § 4º do art. 18 do atual Código Florestal:

§ 4º O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, sendo que, no período entre a data da publicação desta Lei e o registro no CAR, o proprietário ou possuidor rural que desejar fazer a averbação terá direito à gratuidade deste ato.

Não obstante a facultatividade da averbação da Área de Reserva Legal à margem da matrícula do imóvel rural e da indeterminação do prazo para inscrição do imóvel ou posse rural no CAR, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo continuam a exigir a inscrição do imóvel ou posse rural no CAR para a prática de atos registrários, especialmente a retificação.

Atualmente, os itens do Capítulo XX do Tomo II das NSCGJ que tratam dessa exigência são, principalmente: item 10.4.; itens 123. b.; 123.1.2.; 123.1.3.; 123.2; 123.2.1.

Os citados itens acima se mostram incoerentes com a atual sistemática de regularização ambiental imposta pela lei 12.651/12 e por seus decretos regulamentadores pelos seguintes argumentos:

Primeiro, porque o prazo para a inscrição do imóvel ou posse rural passou a ser indeterminado, por força da lei 13.887/19, que alterou o § 3º do art. 29 da lei 12.651/12. Com isso, os itens 10.4, itens 123. b.; e 123.2 das NSCGJ se mostram desatualizados em relação à lei 13.887/19.

10.4. A obrigatoriedade da averbação do número de inscrição do imóvel rural no CAR/SICAR, a ser realizada mediante provocação de qualquer pessoa, fica condicionada ao decurso do prazo estabelecido no § 3.º do art. 29 da lei 12.651/12.

  1. Poderão ser averbados: […] b) o número de inscrição no CAR/SICAR-SP, enquanto não decorrido o prazo estabelecido no § 3.º do art. 29 da lei 12.651/12, a partir do qual a averbação passará a ser obrigatória nos termos do subitem .10.5. deste Capítulo;

123.2. As averbações referidas na alínea b do item 123 condicionam as retificações de registro, os desmembramentos, unificações, outros atos registrais modificativos da figura geodésica dos imóveis e o registro de servidões de passagem, mesmo antes de tornada obrigatória a averbação do número de inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural – CAR, salvo se realizada a averbação tratada na alínea a do item 123.

Segundo, porque os itens 123.1.2. e 123.2. violam a previsão do § 4º, art. 18, da lei 12.651/12, que desobrigou a averbação da Área de Reserva Legal à margem da matrícula do imóvel rural. No caso, melhor seria, se as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo tivessem regulado a possibilidade de especialização da Área de Reserva Legal na matrícula do imóvel pelo proprietário do imóvel rural, à luz da parte final do § 4º do art. 18 do atual Código Florestal e item 22, II, art. 167 da lei 6.015/73.

123.1.2. A averbação da reserva legal florestal será feita de ofício pelo Oficial do Registro de Imóveis, sem cobrança de emolumentos, por meio do Serviço de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), assim que o perímetro da reserva for validado pela autoridade ambiental e implantados os mecanismos de fluxo de informações entre a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SMA), a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e a Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (Arisp), definidos no Acordo de Cooperação Técnica que entre si celebraram.

Terceiro, porque o item 123.1.3. viola o artigo art. 9º-A da lei 6.938/81, ao condicionar a averbação da compensação da Área de Reserva Legal nos imóveis envolvidos com a aprovação da compensação pelo órgão ambiental competente. A nova redação do art. 9º-A da lei 6.938/81, dada pelo art. 78 do atual Código Florestal, suprimiu a aprovação da servidão ambiental pelo órgão ambiental, a fim de estimular a preservação ambiental.

123.1.3. Na hipótese de compensação de Reserva Legal, a notícia deverá ser averbada na matrícula de todos os imóveis envolvidos após a homologação ou aprovação do órgão ambiental através do Sistema Paulista de Cadastro Ambiental Rural – SICAR-SP.

Art. 9º-A. O proprietário ou possuidor de imóvel, pessoa natural ou jurídica, pode, por instrumento público ou particular ou por termo administrativo firmado perante órgão integrante do Sisnama, limitar o uso de toda a sua propriedade ou de parte dela para preservar, conservar ou recuperar os recursos ambientais existentes, instituindo servidão ambiental.

Quarto, o item 123.2.1. é polêmico, porquanto atribuiu ao Oficial Registrador de Imóveis o exercício de análise e controle das Áreas de Reserva Legal.

O provimento anterior correlato (Provimento 37/2015) foi revogado (Provimento CGJ 51/2015 – Parecer 441/2015-E – Processo 100.877/2013).

Além disso, as exigências originárias do item 123.2.1. (Provimento CG 37/2013) foram mitigadas com a dispensa da apresentação da “[…] planta e no memorial descritivo, acompanhados de declaração do profissional responsável de que corresponde à descrição inscrita no SICAR/CAR, e averbada gratuitamente na respectiva matrícula do bem imóvel.” (item 125.2.1. do Provimento CG 37/2013).

123.2.1. Nas retificações de registro, bem como nas demais hipóteses previstas no item 123.2, o Oficial deverá, à vista do número de Inscrição no CAR/SICAR, verificar se foi feita a especialização da reserva legal florestal, qualificando negativamente o título em caso contrário. A reserva legal florestal será averbada, gratuitamente, na respectiva matrícula do bem imóvel, em momento posterior, quando homologada pela autoridade ambiental através do Sistema Paulista de Cadastro Ambiental Rural – SICAR-SP.

Por outro lado, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo deixaram de tratar das hipóteses previstas nos artigos 67 e 68 do atual Código Florestal, que se referem a regularização ambiental de imóveis rurais com área de até 4 (quatro) módulos fiscais e sobre a irretroatividade das leis ambientais no caso de supressão da vegetação nativa, respectivamente:

Art. 67. Nos imóveis rurais que detinham, em 22 de julho de 2008, área de até 4 (quatro) módulos fiscais e que possuam remanescente de vegetação nativa em percentuais inferiores ao previsto no art. 12, a Reserva Legal será constituída com a área ocupada com a vegetação nativa existente em 22 de julho de 2008, vedadas novas conversões para uso alternativo do solo.

Art. 68. Os proprietários ou possuidores de imóveis rurais que realizaram supressão de vegetação nativa respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à época em que ocorreu a supressão são dispensados de promover a recomposição, compensação ou regeneração para os percentuais exigidos nesta Lei.

Atualmente, a questão dos artigos 67 e 68 do atual Código Florestal é regulada pela Nota Técnica Conjunta Arisp/SMA/Cetesb, datada de 28 de junho de 2016, a qual determina que o proprietário de imóvel rural deve declarar o motivo da ausência de declaração da Área de Reserva Legal no Cadastro Ambiental Rural.

Em conclusão, as exigências impostas pelas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo em relação ao Cadastro Ambiental Rural e a Área de Reserva Legal (Florestal) não têm amparo na atual legislação ambiental.

Assim como, não tem amparo legal e normativo as exigências cartorárias que exigem a apresentação da planta e do memorial descritivo da Área de Reserva Legal do (Florestal) do imóvel rural e averbação do número de inscrição do imóvel rural no CAR para a prática de qualquer ato registrário, além do previsto no item 123.2, Cap. XX, Tomo II, das NSCGJ.

 

Escrito por:

Bruno Drumond Gruppi
Advogado (FMU) e geógrafo (USP). Especialista em direito ambiental (COGEAE-PUC/SP), registral e notarial (EPD). Associado e Coordenador temático da ADNOTARE e membro efetivo da Comissão Especial de Geodireito da OAB-SP e do Ibradim.

Manuela Cortez Suppia
Advogada (FMU). Pós-graduanda em Processo Civil (Faculdade Damásio-Ibmec). Sócia do Escritório Dantas & Suppia Advogados.

Da facultatividade da escritura pública para os compromissos de compra e venda

Da facultatividade da escritura pública para os compromissos de compra e venda

05/05/2022

Penso que a premissa inicial deste ensaio deve ter como ponto de partida o artigo 108 do Código Civil, pois prescreve o citado dispositivo legal que “Não dispondo a Lei em contrário, a  escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o salário mínimo vigente no país”.

Ato contínuo e de extrema relevância é se identificar a natureza jurídica do Compromisso de Compra e Venda, que por conclusão lógica, em regra, não se enquadra como contrato definitivo/final, e sim possui roupagem de contrato preliminar, eis que sua essência é a de garantir/preparar o negócio principal, sem o condão de transferência de propriedade, portanto, não sendo abarcado pela atmosfera da segunda parte do artigo 108 do Código Civil, funcionando como “elo de ligação” até a celebração da escritura pública de compra e venda, esta sim com eficácia para a transferência da propriedade, mediante registro no respectivo Registro de Imóveis.

Importante destacar algumas exceções como a que consta na lei 6.766/79 (Lei de Parcelamento do Solo), na qual o Compromisso de Compra e Venda junto com a prova da quitação, valerão como título para registro da propriedade do lote, sem a necessidade de escritura pública.

Deste modo, se tratando o Compromisso de Compra e Venda de modalidade de contrato preliminar, bem como sua essência não se revestindo da finalidade de transferência de propriedade, conforme preconiza textualmente a segunda parte do artigo 108 do Código Civil, nos parece que sua forma pode ser a de instrumento particular, nos exatos termos do artigo 1.417 do mesmo Diploma Legal (“…celebrada por instrumento público ou particular…”), invocando ainda uma necessária interpretação conjunta da primeira parte do já citado artigo 108 “Não dispondo a Lei em contrário…”, e na presente situação o artigo 1.417 dispõe pela possibilidade do instrumento particular.

Aliás o artigo 462 do Código Civil disciplina que o contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais do contrato a ser celebrado, enquadrando-se, portanto, a possibilidade de instrumento particular (forma).

Portanto, possui o Compromisso de Compra e Venda natureza jurídica de contrato preliminar, não estando albergado, desse modo, pelo espectro da segunda parte do artigo 108 do Código Civil, eis que sua dicção se presta aos contratos que versem sobre a transferência, constituição, modificação ou renúncia de direitos reais.

O legislador ao criar a regra contida no artigo 1.225, VII, do Código de Processo Civil, elevando a condição do promitente comprador a detentor de direito real, buscou aquele, s.m.j., por meio de medida subsidiária, o de aparelhar de forma positivada o promissário comprador ao se deparar com a inadimplência do compromissário vendedor, nos moldes dos artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil, que menciona sobre o direito real à aquisição do imóvel e possível adjudicação compulsória na hipótese de recusa do promitente vendedor em transferir a propriedade definitiva.

Veja que o artigo 1.418 também se refere a “instrumento particular”, seguindo o entendimento do artigo 462, bem como da primeira parte do já citado artigo 108, todos do Código Civil, (“Não dispondo a lei em contrário…”), o que afasta, logicamente, a aplicação da segunda parte deste artigo (“…a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país).

Desta forma o Compromisso de Compra e Venda nasce com o “espírito” de contrato preliminar, e dessa maneira se deve interpretar a intenção das partes, prevalecendo o entendimento de que é facultado as partes a celebração daquele contrato por meio de instrumento público ou particular, hermenêutica esta realizada após análise conjunta e sequencial dos artigos 108, 462, 1.225, VII, 1.417 e 1.418, do Código Civil, afastando ainda, neste caso, a aplicação da segunda parte do artigo 108 do mesmo Diploma Legal, haja vista a natureza jurídica do Compromisso de Compra e Venda que não se enquadra com o objetivo de constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis.

Nesta esteira e consubstanciado nos dispositivos citados, entendo que ocorreu a perda da eficácia da Súmula 239 do S.T.J., de 30/08/00, a qual prevê “que o direito de adjudicação não se condiciona ao registro do Compromisso de Compra e Venda no registro de imóveis”, haja vista o disposto nos artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil de 2.002, prevendo justamente o contrário, ou seja, a necessidade do registro junto ao respectivo cartório de Registro de Imóveis.

Ademais, creio que a positivação do direito do promitente comprador junto ao rol dos direitos reais lançou também algumas dúvidas no cenário jurídico nacional, ademais defendo não se tratar aquele de um direito real por excelência, haja vista a necessidade do cumprimento de alguns requisitos para sua eficácia plena, como a inexistência de cláusula de arrependimento e registro no cartório de Registro de Imóveis, sob pena de sua inaplicabilidade.

Por fim ouso afirmar que as alterações trazidas pelos dispositivos legais aqui comentados não possuem como objetivo vedar que o instrumento particular de Compromisso de Compra e Venda seja levado a registro junto Registro de Imóveis, na verdade vem evidenciar, pois, sua natureza jurídica de contrato preliminar, e como tal encontra plena guarida em nosso ordenamento jurídico, pelos motivos e fundamentos trazidos neste ensaio.

 

Escrito por:
Everton Alexandre Santi
Advogado em São Paulo, pós-graduado em Direito Imobiliário, Direito Civil e Processo Civil, associado da Ad Notare – Academia Nacional de Direito Notarial e Registral, articulista, palestrante e sócio do escritório Santi e Nogueira Sociedade de Advogados.

Lei 14.382/2022 ampliou a desjudicialização para os compromissos de compra e venda

Lei 14.382/2022 ampliou a desjudicialização para os compromissos de compra e venda

18/06/2022

Lei 14.382/2022 ampliou a desjudicialização para os compromissos de compra e venda.

José Luiz Germano (1) 

José Renato Nalini (2) 

 Thomas Nosch Gonçalves(3) 

Já tivemos oportunidade de tratar do novo procedimento extrajudicial de adjudicação compulsória dos contratos preliminares integralmente quitados. Hoje a nossa atenção se volta para o mesmo contrato, mas agora sob a ótica de sua rescisão.

De fato, se quem pagou todas as parcelas de um compromisso, pode exigir fora do âmbito do poder judiciário que lhe seja transmitido coativamente o domínio, não seria natural que esse contrato preliminar seja da mesma forma desfeito e seu registro cancelado quando a pessoa deixa de pagar as prestações? Parece ser intuitivo que a resposta seja sim.

Como se sabe, no âmbito da alienação fiduciária já é um grande sucesso a sua execução extrajudicial. Também é muito utilizada a usucapião extrajudicial para a titulação de pessoas que exercem posse durante anos a fio. E também é possível a rescisão extrajudicial do compromisso de compra e venda, no âmbito dos loteamentos de imóveis urbanos (art. 32, §1º, Lei 6.766/1979).

Todavia, o art. 251-A da Lei 6.015/73 é uma novidade que deve ser festejada, pois admite a rescisão do contrato registrado, sem a necessidade se recorrer ao poder judiciário, não apenas nos casos de loteamentos, mas em todos os casos de promessa de venda de imóveis cujas prestações não sejam pagas.

Hoje, quando alguém quer vender um imóvel com o pagamento em parcelas, normalmente estabelece uma cláusula de “condição resolutiva”, que o poder judiciário tem predominantemente entendido que ainda assim requer uma ação para obter a rescisão. Outra opção é garantir essa dívida com a alienação fiduciária, que exige a realização de leilões antes que o credor possa ficar com o bem. 

Porém, agora é possível que o contrato de promessa de vendaregistrado na matrícula do imóvel seja rescindido e o seu registro cancelado, em caso de não pagamento das prestações, tudo isso rapidamente e sem necessidade de se mover uma ação judicial.

A nova disposição legal permite que o prejudicado com a falta de pagamento requeira ao oficial do registro de imóveis que intime o devedor para que, em 30 dias, coloque os pagamentos em dia com todos os seus acessórios, diretamente no cartório. Se o pagamento for feito, o valor é logo repassado ao credor, o contrato fica mantido e tudo seguirá normalmente. Mas, se nesse prazo a dívida não for paga, o contrato será considerado rescindido e o seu registro será definitivamente cancelado em seguida.

Observe-se que, em poucas semanas, é possível a solução extrajudicial dessa pendência, que geralmente onera quem aliena seu imóvel, talvez seu único bem, mas não consegue receber o que lhe é devido.

Outro ponto que merece destaque á que a certidão de cancelamento do registro da compra e venda é prova suficiente para que se requeira, até mesmo liminarmente, a reintegração de posse do imóvel, esta sim, em processo judicial.

Com essa mudança, que valoriza a boa-fé que deve ter nos contratos, pensamos que é mais vantajoso para quem vende um imóvel com pagamento parcelado utilizar-se de uma promessa de venda e seu registro na matrícula, do que a compra e venda com condição resolutiva. A primeira opção permite desfazimento rápido, em caso de falta de pagamento, sem intervenção judicial. Já em relação à segunda (art. 474 do Código Civil) predomina o entendimento de que é preciso recorrer à justiça para desfazer o negócio, arrostando o interessado a lentidão e a imprevisibilidade da decisão definitiva.

É verdade que há um precedente do Superior Tribunal de Justiça, da 4ª Turma, no julgamento do Recurso Especial 620.787, Rel. Ministro Marco Buzzi, considerando que nas vendas com condição resolutiva também não é necessária a desconstituição judicial do negócio.

Mas, ante a dúvida de qual será o entendimento da justiça a respeito da condição resolutiva, melhor contar com a certeza da inovação legal, que permite a rescisão de toda e qualquer promessa de compra e venda em que não são feitos os pagamentos, desde que tenha sido o devedor constituído em mora e tido oportunidade para colocar em dia os pagamentos.

É importante dizer que, apesar da inovação legal ser recente, ela pode ser utilizada desde já até mesmo para os contratos celebrados anteriormente e não apenas para os que forem feitos a partir de agora.

Se algum adquirente que tiver o negócio desfeito dessa nova forma considerar que tem algum direito, como a devolução de parte do valor que pagou, poderá discutir em juízo, mas sem que isso impeça a rescisão do contrato e a imediata retomada do bem pelo proprietário. Assim, os direitos de ambos os contratantes são plenamente respeitados.

Com essa inovação legal, fica reforçado o princípio de que os contratos devem ser cumpridos como foram previstos, sem que a pessoa possa protelar a solução da falta de pagamento. Isso favorece o ambiente dos negócios, reforça a responsabilidade de quem contrata e protege as pessoas que são cumpridoras de seus deveres. É mais uma injeção a revigorar a combalida economia tupiniquim. 

Por fim, embora o compromisso de compra e venda possa ser feito por instrumento particular, preferencialmente com a assistência de um advogado, recomenda-se o uso da forma mais segura e solene da escritura pública, com a assistência jurídica imparcial de um tabelião, que em algumas unidades da Federação têm custas com descontos para esses casos em que a forma pública é opcional.

Resta agora que as pessoas com melhor orientação jurídica utilizem mais o compromisso de compra e venda do que a venda com condição resolutiva. Com aquele contrato, se as prestações forem pagas e o dono não quiser outorgar a escritura, há para o prejudicado a adjudicação compulsória extrajudicial. Se, ao contrário, as prestações não forem pagas, poderá o prejudicado obter a rápida rescisão extrajudicial com o cancelamento do registro, de forma segura, rápida, barata e eficaz.

(1) Especialista em direito notarial e registral pela EPM, Desembargador aposentado (TJ/SP), atualmente é Oficial de Registro de Imóveis do 2º Ofício de Cianorte – Paraná.

(2) Doutor e Mestre em Direito pela USP, Desembargador aposentado, Ex-Corregedor Geral da Justiça, Ex-Presidente (TJ/SP) e Reitor da Uniregistral.

(3) Mestre em Direito pela USP, especialista em direito civil pela USP e em direito notarial e registral pela EPM, ex-advogado e atualmente Registrador Civil e Tabelião de Notas do Distrito de Cachoeira de Emas, Município de Pirassununga em São Paulo.

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A cláusula de vigência e suas consequências jurídicas no contrato de locação de imóvel

A cláusula de vigência e suas consequências jurídicas no contrato de locação de imóvel

21/06/2022

A cláusula de vigência e suas consequências jurídicas no contrato de locação de imóvel

Uma interpretação sistemática da Lei 8.245/91 em seus artigos que versam sobre a cláusula de vigência, o direito de preferência e seus respectivos efeitos jurídicos.

Everton Alexandre Santi (1)

O contrato pode também ser definido como meio instrumental para regular vontades, direitos e obrigações entre as partes pactuantes.

Já o contrato de locação de imóvel possui o condão de regular e transferir parte dos poderes do proprietário em relação ao domínio que exerce sobre o imóvel. 

Com a formalização do contrato de locação do imóvel, a posse direta deste é transferida transitoriamente do locador para o locatário, permanecendo aquele com a posse indireta do bem imóvel.

Não obstante, a celebração da citada locação transfere ao locatário, durante a vigência do contrato, ainda alguns dos poderes atinentes a propriedade, que são o uso e o gozo, permanecendo com o proprietário os poderes de dispor e reaver o bem imóvel.

Ultrapassada esta singela, mas importante introdução, o presente artigo possui como objeto o estudo sobre a cláusula de vigência nos contratos de locações de imóveis, do direito de preferência do locatário, com os consequentes efeitos jurídicos de tais fenômenos jurídicos, atrelada ainda a possibilidade de eventual “adjudicação” do imóvel ao locatário, ou ainda o reclamo deste em eventuais perdas e danos.

Pois bem, prescreve o artigo 8º, da Lei 8.245/91, o seguinte:

Art. 8º Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupaçãosalvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel.

Situação corriqueira é aquela em que vigente o contrato de locação por prazo determinado, o locatário é informado/notificado pelo proprietário/locador, ou até mesmo pelo novo adquirente, sobre a venda do imóvel, e que deverá desocupar o imóvel dentro de certo prazo.

Mas com a intenção de trazer luz para esta situação tão comum, pontuamos:

De fato, o locatário possui sim o chamado Direito de Preferência em relação a terceiros interessados na hipótese de venda do imóvel. Nesta linha, deve o proprietário antes de oferecer o imóvel a terceiros, oferecê-lo em igualdade de condições ao locatário, conforme preceitua o artigo 27º da já citada Lei.

Retomando a situação posta, na hipótese de no contrato de locação NÃO existir a cláusula de vigência, prevalece a obrigação legal do proprietário em dar a preferência ao locatário pela compra do imóvel, sob pena de responder aquele por eventuais perdas e danos na hipótese do não exercício desta obrigação junto ao locatário.

Todavia, CONSTANDO no contrato a cláusula de vigência para a hipótese de venda do imóvel, e estando este contrato averbado junto a matrícula do imóvel pelo menos trinta dias antes da venda, especialmente nesta situação o proprietário deverá dar a preferência ao locatário a respeito da venda do imóvel, caso a compra o interesse, sob pena de responder aquele por perdas e danos, ou até mesmo com possibilidade de anulação da venda.

Portanto, caso exista a cláusula de vigência no contrato de locação, estando ainda o contrato devidamente averbado na matrícula do imóvel, e o locatário não foi devidamente notificado para exercer o seu direito de preferência na hipótese de venda do imóvel, este poderá, a seu critério, judicializar o fato requerendo a condenação do locador em perdas em danos, ou, também judicialmente, depositar o  preço com objetivo de “adjudicar” o imóvel locado, a lei utiliza o termo “haver para si”.

Nessa linha, para alcançar a plenitude do Direito de Preferência, deve o locador fazer constar, quando possível, no contrato de locação a cláusula de vigência, bem como averbar este contrato junto ao respectivo cartório de Registro de Imóveis ao menos trinta dias antes da eventual venda, quando então terá assegurado os direitos de pleitear a condenação do locador em perdas e danos, ou, também judicialmente, dentro de prazo de seis meses da venda, depositar o  preço com objetivo de haver para si o imóvel locado, circunstâncias essas sempre na hipótese de descumprimento do locador em relação ao direito de preferência do locatário quando da venda do imóvel.

(1) Advogado em São Paulo, pós-graduado em Direito Imobiliário, Direito Civil e Processo Civil, pós-graduando em Direito Tributário, associado da Ad Notare – Academia Nacional de Direito Notarial e Registral, articulista, palestrante e sócio do escritório Santi e Nogueira Sociedade de Advogados.

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