Quinta, 26 de outubro de 2023
Valdeliz Pereira Lopes
Resta possível a designação de um mesmo Encarregado para mais de uma serventia, entretanto, imprescindível a inexistência de conflito na cumulação de funções e a manutenção da qualidade dos serviços prestados.
O Provimento 134 do CNJ traz medidas que devem ser adotadas pelas serventias extrajudiciais para adequação à LGPD e exigem a figura do Controlador, Encarregado e o Operador mediante contrato escrito com cláusulas específicas que resguardem os limites da responsabilidade do Delegatário.
I. Da Lei Geral de Proteção de Dados ao Sistema Eletrônico de Registros Públicos
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (lei 13.709/18)1 veio dispor acerca do tratamento de dados pessoais, nos meios físicos ou digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, e tem por finalidade proteger os direitos fundamentais, de maneira que os titulares desses dados utilizem de forma segura.
A partir da MP 1.085/21, conhecida como “a MP dos cartórios” convertida na lei 14.382/22, revelou-se inovadora quando instituiu o SERP – Sistema Eletrônico dos Registros Públicos, com a pretensão de modernizar e simplificar os procedimentos relativos aos atos e negócios jurídicos previstos na lei 6.015/73.
Entretanto, para a implantação, planejamento e funcionamento do SERP, há necessidade de criar um grupo de trabalho para elaboração de um estudo que disciplinará a atuação da pessoa jurídica de direito privado que será responsável pela operacionalização do sistema.2
Considerando a necessidade de regulamentar as disposições da lei 13.709/18 (LGPD) estabeleceu-se medidas a serem adotadas pelas serventias extrajudiciais em âmbito nacional através do Provimento 134/22 do CNJ3 e conforme art. 3º criou-se no âmbito da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça, a Comissão de Proteção de Dados CPD/CN/CNJ, responsável por traçar diretrizes para aplicação, interpretação e adequação das Serventias à LGPD seja de forma espontânea ou mediante provocação por parte das Associações.
II. Os atores trazidos pelo Provimento 134/22 do CNJ e suas peculiaridades
Segue, portanto, a análise da figura do “Controlador” que, necessariamente, deverá ser o próprio delegatário, titular da serventia, interventor ou interino, único detentor da fé pública, nos termos do art. 3º da lei 8.935/944 conferido pelo art. 236 da Constituição Federal.
Ao “Controlador” compete a tomada de decisões referente ao tratamento de dados pessoais, responsável por administrar e contratar pessoas por força do art. 20 da lei 8.935/94 que, pelo Princípio da Liberdade Funcional, também tem a faculdade de contratação de empresas para as atividades de “tratamento” que envolvam os dados pessoais dos usuários das serventias nos termos do art. 5º, X da LGPD, que consiste em coleta, distribuição, recepção, processamento, arquivamento, armazenamento e transferência de dados. Esse “operador” é mencionado no art. 5º do Provimento 134/22.
O art. 41 da LGPD5 determina que o “controlador” indique, contrate ou nomeie um “Encarregado” pelo tratamento de dados pessoais, cuja identidade deverá ser divulgada publicamente no sítio eletrônico do “Controlador”. Para o exercício das funções de “Encarregado” poderá o delegatário contratar um prestador de serviços, seja ele pessoa física ou jurídica, desde que apto ao exercício da função, podendo ser objeto de terceirização.
Importante destacar que a função do “Encarregado” não se confunde com a do “Controlador”, sendo imprescindível que a contratação do “Encarregado” se faça mediante contrato escrito (art. 10º)6 o qual deverá ser mantido arquivado em classificador próprio, sendo do Controlador a responsabilidade exclusiva para a nomeação da figura do Encarregado, não podendo se olvidar da responsabilidade imposta pelo art. 22 da lei 8.935/94.
Os parágrafos 1º e 2º do art. 10 do Provimento, autorizam o compartilhamento da figura do Encarregado dentre as serventias classificadas como “Classe I” e “Classe II” (Provimento 74/18 do CNJ)7 que, segundo orientação legislativa, será designado de maneira conjunta, ou seja , livre escolha ou subsidiado pelas entidades de classe. Nesse caso, a responsabilidade frente a culpa ou dolo envolvendo os atos do Encarregado poderá ser solidária dentre os Controladores, cujo Encarregado tenha sido compartilhado.
III. Do contrato escrito para a figura do Encarregado
O Colégio Registral de Minas Gerais juntamente com o Sindicato dos Oficiais de Registro Civil cuidaram em publicar orientações acerca do Provimento 134 do CNJ8. Em seu bojo, oferecem e indicam uma pessoa física, vinculada ao sindicato que, de forma gratuita, exerceria o cargo de Encarregado, bastando o delegatário solicitar referida pessoa por e-mail endereçado ao Sindicato.
Importante destacar que o Provimento 134/22 é bem claro quando dispõe em seu art. 10 que a contratação do Encarregado deve ocorrer mediante “contrato escrito”, podendo o delegatário terceirizar o exercício dessa função mediante contratação de prestador de serviços, pessoa física ou pessoa jurídica, “desde que apto ao exercício da função” (art. 10, I).
Não se deve desprezar o fato de que o delegatário é o responsável por eventuais prejuízos que causarem a terceiros, por dolo o culpa, essa responsabilidade alcança os prejuízos causados por seus prepostos (art. 22 da lei 8.935/94)9 e, cabe lembrar que a função do Encarregado é nomeada pelo Controlador que nada mais é que o próprio delegatário da serventia, portanto, não se pode desprezar o fato de que, os atos praticados pelo Encarregado também são de responsabilidade do Controlador, o delegatário, que por força do art. 236 da Constituição Federal, é o detentor da fé pública, a qual não deve ser delegada.
Irrelevante a figura do Encarregado como pessoa física ou jurídica, o fato é que, a responsabilidade civil, criminal e trabalhista continua vinculada àquele Controlador que o nomeou. Portanto, imprescindível observar todas as cláusulas contratuais celebrada com empregados ou prestadores de serviços, devendo o referido contrato prever a responsabilização do agentes que tenha envolvimento com atividades de tratamento de dados pessoais. Nesse caso, quando da nomeação do Encarregado, dada a importante função vinculada à proteção dos dados sensíveis, deve o Controlador atentar às cláusulas de responsabilidades, frente aos atos de seus prepostos no exercício das funções contratadas.
IV. A Tênue linha entre a Pejotização e o vínculo de emprego
A “Pejotização” nada mais é que a tentativa de mascarar um vínculo de emprego através da prestação de serviços de uma pessoa física, utilizando-se de uma pessoa jurídica.
A jurisprudência majoritária trabalhista considera a “Pejotização ” uma manobra fraudulenta que visa burlar os direitos trabalhistas do prestador dos serviços e, com fundamento no artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, considera ” nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar os preceitos contidos na presente Consolidação”.
Vale ressaltar, a prática da “pejotização” não é necessariamente ilegal, desde que seja feita de acordo com a legislação trabalhista vigente. No entanto, a legislação estabelece critérios que distingue o trabalhador autônomo legítimo àquele que, de forma inadequada, busca mascarar uma verdadeira relação de emprego.
A nomeação de um Encarregado sem qualquer contraprestação financeira não revela melhor forma de resolver a tênue linha que separa a Pejotização, do vínculo de emprego. Eventual gratuidade na prestação desses serviços não teria sentido algum, ante a exacerbada responsabilidade no exercício do cargo de Encarregado que o vincula à proteção de dados sensíveis, sob a responsabilidade do Controlador, único detentor da fé pública.
O inciso IV do art. 10º do Provimento 134/22, não afasta o dever do atendimento pelo responsável pela delegação dos serviços extrajudiciais de notas e de registros, quando este for solicitado pelo titular dos dados pessoais, ainda com a nomeação de um Encarregado e, apesar de não haver óbice para a contratação, independentemente de haver um mesmo Encarregado para outras serventias, reza o parágrafo 1º do artigo 41 da LGPD que a identidade do encarregado deve ficar atrelada ao sítio eletrônico do controlador, portanto, sua nomeação deve, obrigatoriamente, ser ampla e publicamente divulgada, sendo indispensável treinar e capacitar os prepostos, com o fim de evitar vazamento de dados e prejuízos às atividades dos delegatários.
A nomeação do Encarregado através de um contrato de prestação de serviços com pessoa física ou jurídica é irrelevante. O que se deve observar é o vínculo que a nomeação do Encarregado vai criar com a identidade do delegatário que o nomeou, e dependendo das cláusulas constantes do contrato escrito, poderá ou não ser reconhecido o vínculo empregatício do Encarregado junto ao controlador.
Inobstante o permissivo legal de terceirização do exercício da função do Encarregado mediante a contratação de prestador de serviços, referida nomeação não retira do Controlador a obrigação acerca do atendimento quando solicitado pelo titular dos dados pessoais.
Resta possível a designação de um mesmo Encarregado para mais de uma serventia, entretanto, imprescindível a inexistência de conflito na cumulação de funções e a manutenção da qualidade dos serviços prestados.
1 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm
2 https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4809
3 https://atos.cnj.jus.br/files/original1413072022082563078373a0892.pdf
4 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8935.htm
5 Art. 41. O controlador deverá indicar encarregado pelo tratamento de dados pessoais. § 1º A identidade e as informações de contato do encarregado deverão ser divulgadas publicamente, de forma clara e objetiva, preferencialmente no sítio eletrônico do controlador.
6 III – a nomeação do Encarregado será promovida mediante contrato escrito, a ser arquivado em classificador próprio, de que participarão o controlador na qualidade de responsável pela nomeação e o Encarregado; e IV – a nomeação de Encarregado não afasta o dever de atendimento pelo responsável pela delegação dos serviços extrajudiciais de notas e de registro, quando for solicitado pelo titular dos dados pessoais.
7 https://atos.cnj.jus.br/files//provimento/provimento_74_31072018_01082018113730.pdf
8 https://recivil.com.br/wp-content/uploads/2022/09/Orientacoes-Provimento-134-CNJ-Versao-Final.pdf
9 Art. 22. Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso. (Redação dada pela Lei nº 13.286, de 2016)
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Valdeliz Pereira Lopes
Advogada especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; Direito Imobiliário e Condominial.