A responsabilidade dos notários e registradores à luz da legislação trabalhista

A responsabilidade dos notários e registradores à luz da legislação trabalhista

26/10/2023

Valdeliz Pereira Lopes
Acerca das responsabilidades dos notários e registradores, substitutos ou titulares de serventias à luz da legislação trabalhista, aspectos controvertidos que permitem a responsabilidade solidária ou subsidiária do Estado.

I) Da Delegação pelo Poder Público

Antes da vigência da Constituição Federal de 1988, as atividades notariais e registrais não sofriam intervenção estatal, com isso, os titulares de cartórios asseguravam aos seus herdeiros a transmissão da titularidade da serventia, interpretava-se, portanto, uma certa concessão desses serviços pelo Poder Público sem qualquer fiscalização.

A partir da leitura do texto constitucional em vigência, para o exercício das atividades notariais e registrais, impõe-se ao particular sua submissão a concurso público de provas e títulos para o ingresso da atividade notarial e de registro  (parágrafo 3º do art. 236 da CF). Deste modo, a pessoa natural deve preencher as características previstas no art. 14, da lei 8.935/94 (lei dos cartórios), além da habilitação em concurso público, o diploma de bacharel em Direito, sendo relevante atentar que o exercício dessas atividades é outorgado exclusivamente à pessoa física munida de fé pública, que destina-se a conferir autenticidade, publicidade, segurança e eficácia às declarações de, por força do art. 3º da “Lei dos Cartórios” que dispõe acerca das atribuições e competência de cada delegatário.

A partir da previsão constitucional, a lei 8.935/94 veio regulamentar as atividades dos notários e registradores e acerca das responsabilidades civil e criminal, limitou-se a reportar-se às regras do Direito Civil e Penal.

Importante destacar que o texto original do art. 22, com a lei 13.137/15, (Art. 8º) possuía a seguinte redação:1

“Art. 22. Os notários e oficiais de registro, temporários ou permanentes, responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, inclusive pelos relacionados a direitos e encargos trabalhistas, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos.” (NR)

A nova redação dada pela lei 13.286/16 consagrou a responsabilidade civil subjetiva do notário e registrador quanto aos atos praticados, porém, frente ao dolo ou culpa de seus prepostos, a sua responsabilidade seria configurada de maneira objetiva, conforme atual redação do art. 22 da lei 8.935/94:2

“Art. 22.  Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso. (Redação dada pela lei 13.286, de 2016).”

Parágrafo único.  Prescreve em três anos a pretensão de reparação civil, contado o prazo da data de lavratura do ato registral ou notarial. (Redação dada pela lei 13.286, de 2016).”

E para o bom desempenho das atividades notariais e de registro, o art. 20 da lei 8.935/94 autoriza a contratação de prepostos (escreventes, dentre eles os substitutos e auxiliares) como empregados, podendo os escreventes praticarem atos mediante autorização de seus notários e registradores. Quanto aos substitutos, estes poderão, simultaneamente, praticar todos os atos que lhes sejam próprios, com exceção, nos tabelionados de notas, lavar testamentos (art. 20  § § 3º 4º 5º).

A nomeação de prepostos têm por objetivo garantir a eficiência do serviço, obtenção de melhores resultados na prestação dos serviços e a promoção da manutenção da paz social. Entretanto, o gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive, no que confere a remuneração de seus prepostos.

 II) Dos Emolumentos

Em razão do permissivo Constitucional previsto no artigo 145 “caput”, em 29 de dezembro de 2000, foi promulgada a lei Federal 10.169/00 que veio regulamentar o parágrafo 2º do art. 236 da CF, estabelecendo normas gerais para a fixação de emolumentos relativo aos atos praticados pelos notários e registradores, onde cada Estado e o Distrito Federal, considerando a natureza pública e o caráter social dos serviços notariais e de registro, legislam acerca dos valores dos emolumentos, classificando cada espécie de ato, mediante fiscalização do Poder Público.

Vale mencionar brevemente a lei 9.492/97, que define a competência e regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida, enquanto a lei 6.015/73, dispõe acerca dos serviços concernentes aos Registros Públicos, estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.

Na lição do Professor Marcus Vinicius Kikunaga, em sua obra entitulada “Direito Notarial e Registral à luz do Código de Defesa do consumidor”  é possível classificar a natureza jurídica de cada um desses institutos:

“As leis 8.935/94 e 10.169/00 são normas de natureza principiológicas do sistema por tratarem da estrutura geral das atividades, enquanto as leis 9.492/97 e 6.015/73 são normas de natureza procedimentais, operacionais ou funcionais, respectivamente, das atividades de protesto e títulos públicos do Brasil”.

Destaca-se que é vedado aos oficiais de registros e aos notários, a cobrança de percentual incidente sobre o valor do negócio jurídico, objeto dos serviços notariais e de registro, não havendo cobranças estranhas àquelas constantes das tabelas de emolumentos.

Os valores dos emolumentos são fixados pelos Estados e o Distrito Federal através da Tabela de emolumentos com base na realidade socioeconômica de cada região. Tratando-se de um país de dimensão física continental, o Brasil possui realidades territoriais diversificadas, o que justifica a cobrança diferenciada de emolumentos pelo mesmo ato, quando comparadas as Tabelas de um Estado para o outro.

Na prática, apesar de juridicamente diversa, é comum a utilização do termo custas como sinônimo de emolumentos, posto que mencionados no art. 98, parágrafo 2º da Constituição Federal. Importante tecer em breves linhas, a diferença entre esses institutos, já que “custas” não guarda relação contratual entre o particular, enquanto que, “emolumentos” revelam-se taxas remuneratórias de serviço público, diz-se “serviço público” em decorrência do exercício regular do poder de polícia por parte dos Estados,  nos termos do art. 77 do Código Tributário Nacional e nos termos da lei Federal 10.169/00.

Assim, a  partir da lei Federal 10.169/00, os serviços notariais e de registros, (exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público), tanto os Estados como o Distrito Federal detém competência para legislar acerca dos valores dos emolumentos com base nos atos notariais e registrais e estabeleceu proporcionalidade entre o valor dos emolumentos e o efetivo custo e a adequação da remuneração dos serviços prestados, tais cobranças deve ser fiscalizada pelo Poder Judiciário, considerando a obrigação de repasse de valores à Fazenda Estadual, ao Fundo de Assistência Judiciária Gratuita e para outras entidades, dando origem às taxas de fiscalização de acordo com a lei de cada Estado que dispõe acerca do valor dos emolumentos extrajudiciais.

III) Da ilegitimidade ativa e passiva dos Cartórios

Relevante destacar que as serventias, ou seja, os cartórios, não detém personalidade jurídica de direito, tratam-se de mera repartição administrativa não integrante do Poder Público. Isso porque, a delegação do serviço notarial e de registro é outorgada ao particular (art. 236 da CF).

Logo, não se mostra juridicamente correto referir-se à responsabilidade civil, criminal ou trabalhista dos cartórios, quando estes, não revelam-se pessoas jurídicas.

O art. 75 do Código de Processo Civil traz um rol de pessoas jurídicas que devem ser regularmente presentadas ou representadas em juízo e não traz, não há em seu bojo, a figura da serventia extrajudicial ou dos cartórios, denotando que os mesmos não possuem capacidade ativa ou passiva para figurarem como partes em um processo judicial ou administrativo.

Portanto, as serventias, ou seja, os cartórios não detém personalidade jurídica de direito para figurarem como partes no processo, o que não significa afirmar que seus titulares estejam livres de quaisquer responsabilidades.

IV) Da Responsabilidade pessoal dos delegatários à luz da legislação Trabalhista

A premissa estabelecida no art. 20 da lei 8.935/94, permite aos  notários e registradores, a contratação de escreventes, substitutos, auxiliares, como forma de garantirem o bom funcionamento das serventias, e,  considerando que tais atividades decorrem da delegação do Poder Público de caráter privado,  a intenção do legislador foi direcionar as responsabilidades, sejam elas sob a ótica civil, criminal ou trabalhista à pessoa  física do registrador e do notário.

Considerando que a delegação dos serviços notariais e de registros são de responsabilidade da pessoa física, detentora da fé pública, todos os funcionários contratados pelo delegatário figuram como prepostos (representante voluntário com vínculo de emprego).

Ante a previsão legislativa de contratação de escreventes, substitutos, auxiliares como empregados, com o fim de alcançar um bom desempenho das funções notariais e registrais, imprescindível analisar os limites das responsabilidades que envolvem o titular da serventia quando da contratação de seus funcionários e/ou colaboradores à luz da legislação Trabalhista.

Questiona-se acerca da responsabilidade do substituto de notário e registrador que não tenha se submetido a concurso público, os chamados substitutos comuns (art. 20 parágrafo 4º) e, e na ausência do titular ou por vacância de serventia, os substitutos designados pelo  Poder Judiciário para evitar interrupção do serviço público (art. 2º, parágrafo 5º).

Relevante a análise da  ADIn3 1.183, julgada parcialmente procedente, declarou inconstitucional apenas a interpretação extraída do art. 20 da lei 8.935/94 frente a possibilidade de preposto não concursado, indicado pelo titular ou mesmo pelos tribunais de justiça, de exercer substituições ininterruptas por períodos maiores que 6 meses, nesse sentido:

“O Tribunal, por maioria, conheceu da ação direta e julgou parcialmente procedente o pedido formulado, apenas para declarar inconstitucional a interpretação que extraia do art. 20 da lei 8.935/94 a possibilidade de que prepostos (não concursados), indicados pelo titular ou mesmo pelos tribunais de justiça, possam exercer substituições ininterruptas por períodos maiores de que 6 (seis) meses. Declarou, ainda, que, para essas longas substituições (maiores que 6 meses), a solução constitucionalmente válida é a indicação, como “substituto”, de outro notário ou registrador, observadas as leis locais de organização do serviço notarial e registral, ressalvada a possibilidade de os tribunais de justiça indicarem substitutos “ad hoc”, quando não houver interessados, entre os titulares concursados, que aceitem a substituição, sem prejuízo da imediata abertura de concurso público para preenchimento da(s) vaga(s). Por fim, reconheceu a plena constitucionalidade dos arts. 39, II, e 48 da lei 8.935/94. Tudo nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio, que julgava procedente, em parte, o pedido, para conferir interpretação conforme à Constituição Federal ao artigo 20, cabeça e parágrafos 1º a 4º, da Lei nº 8.935/1994, a fim de assentar a substituição eventual, por preposto indicado pelo titular, do notário ou registrador. Plenário, Sessão Virtual de 28.5.2021 a 7.6.2021.” Relator Ministro Nunes Marques.

Ainda que se trate de delegação do Poder Público, o serviço notarial e registral é prestado em caráter privado, e, sob o prisma da norma constitucional regulamentada pela lei 8.935/94, teoricamente, as responsabilidades pelos atos de seus prepostos ficariam exclusivamente à cargo do titular da serventia dada a sua responsabilidade objetiva, considerando que a fé pública outorgada pelo Poder público é indelegável.

Os atos praticados no exercício das atividades dos prepostos exige por parte dos delegatários o dever de orientar, controlar e  fiscalizar ( culpa in eligendo et in vigilando) , de maneira que, havendo erro por parte do preposto que poderia ter sido evitado se orientado e fiscalizado, haveria a configuração de culpa frente ao ilícito administrativo do delegatário.

As regras de cada instituto é que rege a responsabilidade dos notários e registradores submetidos à legislação civil quando da análise de responsabilidade civil frente à eventuais prejuízos causados a terceiros, inclusive, quando os atos são praticados por seus prepostos, observadas as prescrições e peculiaridade de cada caso concreto, conforme art. 22 da lei 8.935/94.

De igual sorte, sob o aspecto criminal, os titulares respondem quanto aos crimes contra a administração pública decorrente da delegação da atividade pelo Poder público que lhes outorga fé pública aos atos por eles praticados nos termos do art. 24 da referida lei.

E ao final, não menos importante, a responsabilidade trabalhista,  mencionada no art. 20 da lei 8.935/94 que permite aos notários e registradores, a contratação de funcionários para o desempenho de suas funções, visando melhor desempenho na prestação dos serviços públicos, e para essas contratações, via de regra, o regime jurídico será o celetista.

Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho destaca que o Titular do Cartório, pessoa física delegatária da atividade notarial, em decorrência do poder de contratar empregados (prepostos), a relação de emprego deve se estabelecer diretamente com o titular da serventia, ressalta-se, o cartório trata-se apenas de uma repartição administrativa:

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/14 E 13.467/17. CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. AÇÃO AJUIZADA CONTRA OFÍCIO CARTORÁRIO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO CARTÓRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO TITULAR DO CARTÓRIO. PARTICIPAÇÃO DO TITULAR DO CARTÓRIO NO FEITO PROCESSUAL. Discute-se, no caso, se a legitimidade passiva ad causam em relação aos débitos trabalhistas da empregada contratada para trabalhar em cartório extrajudicial de registros públicos recai sobre o ofício cartorário ou sobre a pessoa física delegatária da atividade notarial, na condição e titular do cartório. Nos termos da Constituição Federal, artigo 236, os serviços notariais e de registro são exercidos por oficiais de registro e seus prepostos, em caráter privado e por meio de delegação do Poder Público, dependendo o ingresso na atividade de regular concurso público de provas e títulos. Por sua vez, a lei 8.935/94, ao regulamentar o art. 236 da Constituição Federal, preceitua que o titular do cartório é quem detém o poder de contratar empregados, sendo, portanto, quem deve responder, exclusivamente, por eventuais débitos trabalhistas decorrentes da relação de emprego, que é estabelecida diretamente com o titular, e não com o cartório em si, pois não detém personalidade jurídica de direito, sendo mera repartição administrativa. Nesse contexto, em tese, no caso dos não prospera a ação originalmente ajuizada contra o Ofício Cartório, pois , destituído de personalidade jurídica, não detém capacidade processual de ser parte, pressuposto subjetivo de existência do processo. Por outro lado, partindo da premissa específica registrada no caso regional, de que a delegatária do Ofício Cartorário, que foi quem admitiu a reclamante e é parte legítima para figurar no polo passivo da ação, na forma dos arts. 236 da Constituição da República e 1º, 3º, 20 e 22 da lei 8.935/94, participou do feito processual em exame, devidamente representada por advogado, e com oportunidade para o exercício do contraditório, inócua a extinção da ação ajuizada contra o Cartório, em respeito ao princípio da economia processual. Precedente. Recurso de revista não conhecido. (TST – RR: 10001072620195020084, Relator: Jose Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 4/5/22, 2ª Turma, Data de Publicação: 6/5/22)

Não se pretende esgotar o tema. Os argumentos legais dependem da análise de cada caso concreto, entretanto, vale destacar algumas hipóteses que envolvem a responsabilidade trabalhista do titular da serventia e possivelmente de seu antecessor.

Hipoteticamente, frente à contratação de um funcionário por parte do antigo titular de uma determinada serventia, e  referido funcionário venha dar continuidade aos serviços em benefício do novo titular dessa mesma serventia, atuando de forma ininterrupta, sem que houvesse a quitação desse contrato de trabalho por parte do titular antecessor, haveria unicidade contratual e responsabilização exclusiva do atual titular da serventia?

Pois bem. Considerando a regra imposta pelo art. 20 da lei 8.932/94, a análise de possível sucessão deve se valer das regras impostas pela Legislação Trabalhista. Para essa situação hipotética, a sucessão trabalhista foi caracterizada por força dos arts. 10, 448 e 448-A e parágrafo único4 incluído pela lei 13.467/17 (Reforma Trabalhista):

“Art. 10 – Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.

Art. 448 – A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.

 Art. 448-A.  Caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos arts. 10 e 448 desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor. (Incluído pela lei 13.467, de 2017)

Parágrafo único. A empresa sucedida responderá solidariamente com a sucessora quando ficar comprovada fraude na transferência.”

Isso porque, a Justiça do Trabalho, como representante do poder jurisdicional e da justiça Social, obstante a análise dos elementos essenciais do negócio jurídico conforme preceitua o art. 104 do Código Civil, traçando  interpretação de acordo com os fins sociais e do bem comum.

Ante a possível continuidade (e ininterrupção) na prestação dos serviços em benefício do novo titular da serventia, a regra permeia no fato de que todas as obrigações trabalhistas contraídas pela antiga titularidade da serventia mantenham-se integralmente preservadas frente a qualquer alteração na estrutura jurídica com base no art. 10 da CLT.

Não havendo solução de continuidade, o novo titular da serventia poderá assumir todas as obrigações trabalhistas contraídas pela antiga titularidade, posto que os direitos dos empregados, são integralmente preservados frente a qualquer alteração na estrutura jurídica nos termos dos arts. 10 e 448 da CLT, respondendo por toda e qualquer irregularidade cometida enquanto à serviço do titular antecessor.

V) Hipótese de vacância de serventia

Importante destacar que ao Poder Público compete a fiscalização das atividades notariais e registrais, posto que a delegação é outorgada de forma pessoal à pessoa física titular da serventia o qual assumindo com pessoalidade suas responsabilidades (art. 22 da lei 8.935/94, alterado pela lei 13.286/16). Essa atividade, devido à sua especialidade e à outorga da fé pública, não permite a constituição de pessoa jurídica, inclusive, a fé pública outorgada pelo Poder Público à pessoa física nos termos do art. 236 da CF, é indelegável.

Na hipótese de extinção de delegação, considerando a obrigação do Estado em fiscalizar através das Corregedoria do Tribunal de Justiça, quanto à administração e em caso de vacância da titularidade da serventia, essa responsabilidade é automaticamente devolvida ao Poder Público e enquanto não surgir um novo titular para assumir a serventia pela via do concurso Público, exigência do parágrafo 3º do art. 236 da CF, a responsabilidade permanece  em face do Poder Público.

Nesse caso, o ato de delegação é então praticado pelo Poder Público que continua com a obrigação de fiscalizar, conforme parágrafo 1º do art. 236 da Constituição Federal, arts. 37 e 38 da lei 8.935/94. No momento em que ocorre a extinção da delegação, o poder de administração retorna ao Poder Público que passa a não somente fiscalizar, mas a exercer o ônus de administrar todas atividades durante a vacância da serventia, com dever de cautela em todos os aspectos. Por conta disso, a responsabilidade do Estado é objetiva frente a extinção da delegação que neste caso poderá responsabilizar o Estado pelo inadimplemento dos contratos de trabalho iniciados quando da titularidade extinta e continuados de forma ininterrupta na hipótese de vacância do cargo (culpa in vigilado).

Em caso análogo, o Tribunal Superior do Trabalho, em ação trabalhista movida por ex-funcionária de serventia, decidiu que eventual vacância da titularidade das serventias até a assunção da respectiva unidade por um novo delegado, a serventia retorna à responsabilidade estatal, a quem compete fiscalizar não apenas o exercício da atividade, como também as relações jurídicas decorrentes do serviço (p. ex. contratos de trabalho dos empregados do Tabelionato), deste modo, o Ministro da 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, Relator  Breno Medeiros.5 manteve a condenação acerca da responsabilidade direta do Estado do Rio Grande do Sul pelo adimplemento das verbas trabalhistas devidas à reclamante, “que prestou serviços em proveito do ente público. Referida decisão não transitada em julgado, depende de julgamento em Recurso Extraordinário.

Sob o prisma dessa responsabilidade estatal, o Poder Judiciário Estadual, por força do parágrafo 1º do artigo 236 da CF detém responsabilidade  direta das atividades notarias e registrais e na hipótese de negligenciar a fiscalização e a administração dos contratos trabalhistas, poderá responder pelas obrigações decorrente dessa negligência.

Considerando as hipóteses de extinção da delegação do Poder Público ao notário e ao oficial de registro elencados no art. 39 da lei 8.935/94, é essencial que o Poder Público designe um substituto até a titulação por concurso público. Longas substituições deverão respeitar por indicação de outro notário ou registrador concursado, observadas as leis locais de organização, ressalvadas a nomeação “ad hoc” sem prejuízo de abertura de concurso público. (ADIN 1183).

No que concerne aos contratos trabalhistas iniciados durante a administração do titular da serventia, cuja delegação foi extinta, eventual continuidade na prestação de serviços em período de vacância da serventia e designação de tabelião substituto deverá consistir exclusivamente na garantia de continuidade da prestação dos serviços públicos essenciais até que novo titular assuma a responsabilidade do cartório, por força do parágrafo 2º do art. 39 da lei 8.935/94.

 Em julgamento de ação trabalhista movida por ex-funcionária de serventia, o Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, Décima Turma, Relator Doutor Leonardo Dias Borges, entendeu não haver qualquer responsabilidade trabalhista por parte do Tabelião substituto sobre os contratos em vigor, considerando que sua permanência na serventia decorreu de designação do Tribunal (nesse caso o chamado substituto designado do ‘parágrafo 5º do art. 20), o qual não recebia os lucros gerados pela atividade, que eram destinados ao Estado6, vejamos:

SUCESSÃO TRABALHISTA – MUDANÇA DE TITULARIDADE – FALECIMENTO DO TITULAR DO CARTÓRIO – A designação de tabelião substituto tem o intuito apenas de manter a prestação de serviços público essencial até que novo titular possa assumir a responsabilidade do cartório (art. 39, § 2º, da lei 8.935/94). In casu, há que se considerar que a autora manteve duas relações jurídicas distintas durante o período de prestação de serviços no Cartório do 7º Ofício de Registro de Distribuição. A primeira foi o vínculo empregatício com o Sr. Antônio Carlos Leite Penteado, o qual perdurou da admissão até 12/10/20, data do falecimento deste. A segunda é o liame com o Estado, a contar do falecimento do tabelião titular. (TRT-1 – ROT: 0101007342020501001, Relator: LEONARDO DIAS BORGES, Data de Julgamento: 27/4/22, Décima Turma, Data de Publicação: DEJT 2022-06-16)

Seguindo o entendimento supramencionado, somente ao novo titular caberia decidir com amplos poderes de gerenciamento administrativo e financeiro da serventia acerca da continuidade ou não da prestação de serviços dos empregados contratados pelo anterior delegatário, como se extrai do art. 21 da lei 8.935/94.

Em contraponto ao entendimento supra, há recentes decisões que imputaram responsabilidade trabalhista ao substituto, ainda que a serventia tenha sido assumida de forma precária7, conforme ementas abaixo8:

CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. FALECIMENTO DO TITULAR. CONTINUIDADE DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PELO EMPREGADO. SUCESSÃO TRABALHISTA. O falecimento do titular do cartório extrajudicial não acarreta a rescisão do contrato de trabalho do empregado, se não há solução de continuidade na prestação de serviços. Ocorre, nesse caso, a sucessão trabalhista, cuja consequência jurídica é a responsabilização do novo tabelião, ainda que a designação tenha se dado a título precário.(TRT-3 – RO: 00109680820185030113 MG 0010968-08.2018.5.03.0113, Relator: Cesar Machado, Data de Julgamento: 13/8/20, Sexta Turma, Data de Publicação: 13/8/20. DEJT/TRT3/Cad.Jud. Página 785. Boletim: Não.)

RECURSO DA PARTE AUTORA SUCESSÃO TRABALHISTA. FALECIMENTO DO TITULAR DE SERVENTIA NOTARIAL. MUDANÇA DA TITULARIDADE DO CARTÓRIO, AINDA QUE DE FORMA INTERINA. Ainda que de natureza diversa de empresa, a assunção das atividades cartoriais, decorrentes de delegação estatal, equipara-se à sucessão trabalhista de que tratam os arts. 10 e 448 da CLT, ficando o atual responsável pela serventia, mesmo que nomeado de modo interino, também pelos direitos trabalhistas inadimplidos pelo anterior, se não ocorre solução de continuidade nessa prestação de serviços. A jurisprudência trabalhista é forte no sentido do reconhecimento da sucessão de empregadores entre titulares de cartório, ainda que interinos. Assim, a vacância na titularidade do cartório, em razão do falecimento do antigo tabelião, não afasta os requisitos para o reconhecimento da sucessão. Apelo desprovido.(TRT-1 – RO: 01001503120215010541 RJ, Relator: EDUARDO HENRIQUE RAYMUNDO VON ADAMOVICH, Data de Julgamento: 21/7/21, Terceira Turma, Data de Publicação: 24/8/21)

Relevante atentar às contratações embasadas no Provimento 134, de 24 de agosto de 2022 o qual passa exigir a figura do “Encarregado” que será designado pelo titular das serventias e será o responsável pelo tratamento de dados pessoais, conforme art. 41 da LGPD e art. 10º do Provimento.

A nomeação do Encarregado se fará mediante contrato escrito e não afastará deveres e obrigações do responsável pela delegação os serviços extrajudiciais de notas e de registro.

E, por não haver óbice para contratação de um mesmo encarregado para mais de uma serventia, o contrato escrito deverá atentar às regras de responsabilidades civis, criminais e trabalhistas, sob pena de caracterizar sucessão ou responsabilidade solidária dentre as serventias que compartilharem os serviços desses prepostos denominados encarregados.

Destaca-se que a responsabilidade do Estado será objetiva quando a responsabilidade notarial e registral antes delegada retoma ao poder do Estado quando da extinção da delegação, permitindo concluir a possibilidade da responsabilidade solidária do Estado frente a obrigação de fiscalizar por força do art. 236 da Constituição Federal.

Conclui-se, portanto, acerca das responsabilidades dos notários e registradores, substitutos ou titulares de serventias à luz da legislação trabalhista, aspectos controvertidos que permitem a responsabilidade solidária ou subsidiária  do Estado junto aos contratos de trabalho firmados pelos delegatários quando da contratação dos prepostos, considerando os Princípios norteadores do Direito do Trabalho vinculados aos Princípios constitucionais da Dignidade da pessoa humana (art. 1º , III) , da valorização do Trabalho (art. 1º, IV), da  verdade real e da continuidade da relação de emprego.


1 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13137.htm

2 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8935.htm

3 https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1605752

4 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm

5 https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=21052&digitoTst=18&anoTst=2016&orgaoTst=5&tribunalTst=04&varaTst=0402&submit=Consultar

6 (TRT-1 – ROT: 0101007342020501001, Relator: LEONARDO DIAS BORGES, Data de Julgamento: 27/04/2022, Décima Turma, Data de Publicação: DEJT 2022-06-16)

7 https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trt-3/1142401827

8 https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trt-1/1269456303

 

Valdeliz Pereira Lopes
Advogada especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; Direito Imobiliário e Condominial.

Os atores trazidos pelo provimento 134 do CNJ e a linha tênue entre o vínculo empregatício e a pejotização

Os atores trazidos pelo provimento 134 do CNJ e a linha tênue entre o vínculo empregatício e a pejotização

26/10/2023

Valdeliz Pereira Lopes
Resta possível a designação de um mesmo Encarregado para mais de uma serventia, entretanto, imprescindível a inexistência de conflito na cumulação de funções e a manutenção da qualidade dos serviços prestados.

O Provimento 134 do CNJ traz medidas que devem ser adotadas pelas serventias extrajudiciais para adequação à LGPD e exigem a figura do Controlador, Encarregado e o Operador mediante contrato escrito com cláusulas específicas que resguardem os limites da responsabilidade do Delegatário.

I. Da Lei Geral de Proteção de Dados ao Sistema Eletrônico de Registros Públicos

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (lei 13.709/18)1 veio dispor acerca do tratamento de dados pessoais, nos meios físicos ou digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, e tem por finalidade proteger os direitos fundamentais, de maneira que os titulares desses dados utilizem de forma segura.

A partir da MP 1.085/21, conhecida como “a MP dos cartórios” convertida na lei 14.382/22, revelou-se inovadora quando instituiu o SERP – Sistema Eletrônico dos Registros Públicos, com a pretensão de modernizar e simplificar os procedimentos relativos aos atos e negócios jurídicos previstos na lei 6.015/73.

Entretanto, para a implantação, planejamento e funcionamento do SERP, há necessidade de criar um grupo de trabalho para elaboração de um estudo que disciplinará a atuação da pessoa jurídica de direito privado que será responsável pela operacionalização do sistema.2

Considerando a necessidade de regulamentar as disposições da lei 13.709/18 (LGPD) estabeleceu-se medidas a serem adotadas pelas serventias extrajudiciais em âmbito nacional através do Provimento 134/22 do CNJ3 e conforme art. 3º criou-se no âmbito da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça, a Comissão de Proteção de Dados CPD/CN/CNJ, responsável por traçar diretrizes para aplicação, interpretação e adequação das Serventias à LGPD seja de forma espontânea ou mediante provocação por parte das Associações.

II. Os atores trazidos pelo Provimento 134/22 do CNJ e suas peculiaridades

Segue, portanto, a análise da figura do “Controlador” que, necessariamente, deverá ser o próprio delegatário, titular da serventia, interventor ou interino, único detentor da fé pública, nos termos do art. 3º da lei 8.935/944 conferido pelo art. 236 da Constituição Federal.

Ao “Controlador” compete a tomada de decisões referente ao tratamento de dados pessoais, responsável por administrar e contratar pessoas por força do art. 20 da lei 8.935/94 que, pelo Princípio da Liberdade Funcional, também tem a faculdade de contratação de empresas para as atividades de “tratamento” que envolvam os dados pessoais dos usuários das serventias nos termos do art. 5º, X da LGPD, que consiste em coleta, distribuição, recepção, processamento, arquivamento, armazenamento e transferência de dados. Esse “operador” é mencionado no art. 5º do Provimento 134/22.

O art. 41 da LGPD5 determina que o “controlador” indique, contrate ou nomeie um “Encarregado” pelo tratamento de dados pessoais, cuja identidade deverá ser divulgada publicamente no sítio eletrônico do “Controlador”. Para o exercício das funções de “Encarregado” poderá o delegatário contratar um prestador de serviços, seja ele pessoa física ou jurídica, desde que apto ao exercício da função, podendo ser objeto de terceirização.

Importante destacar que a função do “Encarregado” não se confunde com a do “Controlador”, sendo imprescindível que a contratação do “Encarregado” se faça mediante contrato escrito (art. 10º)6 o qual deverá ser mantido arquivado em classificador próprio, sendo do Controlador a responsabilidade exclusiva para a nomeação da figura do Encarregado, não podendo se olvidar da responsabilidade imposta pelo art. 22 da lei 8.935/94.

Os parágrafos 1º e 2º do art. 10 do Provimento, autorizam o compartilhamento da figura do Encarregado dentre as serventias classificadas como “Classe I” e “Classe II” (Provimento 74/18 do CNJ)7 que, segundo orientação legislativa, será designado de maneira conjunta, ou seja , livre escolha ou subsidiado pelas entidades de classe. Nesse caso, a responsabilidade frente a culpa ou dolo envolvendo os atos do Encarregado poderá ser solidária dentre os Controladores, cujo Encarregado tenha sido compartilhado.

III. Do contrato escrito para a figura do Encarregado

O Colégio Registral de Minas Gerais juntamente com o Sindicato dos Oficiais de Registro Civil cuidaram em publicar orientações acerca do Provimento 134 do CNJ8. Em seu bojo, oferecem e indicam uma pessoa física, vinculada ao sindicato que, de forma gratuita, exerceria o cargo de Encarregado, bastando o delegatário solicitar referida pessoa por e-mail endereçado ao Sindicato.

Importante destacar que o Provimento 134/22 é bem claro quando dispõe em seu art. 10 que a contratação do Encarregado deve ocorrer mediante “contrato escrito”, podendo o delegatário terceirizar o exercício dessa função mediante contratação de prestador de serviços, pessoa física ou pessoa jurídica, “desde que apto ao exercício da função” (art. 10, I).

Não se deve desprezar o fato de que o delegatário é o responsável por eventuais prejuízos que causarem a terceiros, por dolo o culpa, essa responsabilidade alcança os prejuízos causados por seus prepostos (art. 22 da lei 8.935/94)9 e, cabe lembrar que a função do Encarregado é nomeada pelo Controlador que nada mais é que o próprio delegatário da serventia, portanto, não se pode desprezar o fato de que, os atos praticados pelo Encarregado também são de responsabilidade do Controlador, o delegatário, que por força do art. 236 da Constituição Federal, é o detentor da fé pública, a qual não deve ser delegada.

Irrelevante a figura do Encarregado como pessoa física ou jurídica, o fato é que, a responsabilidade civil, criminal e trabalhista continua vinculada àquele Controlador que o nomeou. Portanto, imprescindível observar todas as cláusulas contratuais celebrada com empregados ou prestadores de serviços, devendo o referido contrato prever a responsabilização do agentes que tenha envolvimento com atividades de tratamento de dados pessoais. Nesse caso, quando da nomeação do Encarregado, dada a importante função vinculada à proteção dos dados sensíveis, deve o Controlador atentar às cláusulas de responsabilidades, frente aos atos de seus prepostos no exercício das funções contratadas.

IV. A Tênue linha entre a Pejotização e o vínculo de emprego

A “Pejotização” nada mais é que a tentativa de mascarar um vínculo de emprego através da prestação de serviços de uma pessoa física, utilizando-se de uma pessoa jurídica.

A jurisprudência majoritária trabalhista considera a “Pejotização ” uma manobra fraudulenta que visa burlar os direitos trabalhistas do prestador dos serviços e, com fundamento no artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, considera ” nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar os preceitos contidos na presente Consolidação”.

Vale ressaltar, a prática da “pejotização” não é necessariamente ilegal, desde que seja feita de acordo com a legislação trabalhista vigente. No entanto, a legislação estabelece critérios que distingue o trabalhador autônomo legítimo àquele que, de forma inadequada, busca mascarar uma verdadeira relação de emprego.

A nomeação de um Encarregado sem qualquer contraprestação financeira não revela melhor forma de resolver a tênue linha que separa a Pejotização, do vínculo de emprego. Eventual gratuidade na prestação desses serviços não teria sentido algum, ante a exacerbada responsabilidade no exercício do cargo de Encarregado que o vincula à proteção de dados sensíveis, sob a responsabilidade do Controlador, único detentor da fé pública.

O inciso IV do art. 10º do Provimento 134/22, não afasta o dever do atendimento pelo responsável pela delegação dos serviços extrajudiciais de notas e de registros, quando este for solicitado pelo titular dos dados pessoais, ainda com a nomeação de um Encarregado e, apesar de não haver óbice para a contratação, independentemente de haver um mesmo Encarregado para outras serventias, reza o parágrafo 1º do artigo 41 da LGPD que a identidade do encarregado deve ficar atrelada ao sítio eletrônico do controlador, portanto, sua nomeação deve, obrigatoriamente, ser ampla e publicamente divulgada, sendo indispensável treinar e capacitar os prepostos, com o fim de evitar vazamento de dados e prejuízos às atividades dos delegatários.

A nomeação do Encarregado através de um contrato de prestação de serviços com pessoa física ou jurídica é irrelevante. O que se deve observar é o vínculo que a nomeação do Encarregado vai criar com a identidade do delegatário que o nomeou, e dependendo das cláusulas constantes do contrato escrito, poderá ou não ser reconhecido o vínculo empregatício do Encarregado junto ao controlador.

Inobstante o permissivo legal de terceirização do exercício da função do Encarregado mediante a contratação de prestador de serviços, referida nomeação não retira do Controlador a obrigação acerca do atendimento quando solicitado pelo titular dos dados pessoais.

Resta possível a designação de um mesmo Encarregado para mais de uma serventia, entretanto, imprescindível a inexistência de conflito na cumulação de funções e a manutenção da qualidade dos serviços prestados.


1 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm

2 https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4809

3 https://atos.cnj.jus.br/files/original1413072022082563078373a0892.pdf

4 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8935.htm

5 Art. 41. O controlador deverá indicar encarregado pelo tratamento de dados pessoais. § 1º A identidade e as informações de contato do encarregado deverão ser divulgadas publicamente, de forma clara e objetiva, preferencialmente no sítio eletrônico do controlador.

6 III – a nomeação do Encarregado será promovida mediante contrato escrito, a ser arquivado em classificador próprio, de que participarão o controlador na qualidade de responsável pela nomeação e o Encarregado; e IV – a nomeação de Encarregado não afasta o dever de atendimento pelo responsável pela delegação dos serviços extrajudiciais de notas e de registro, quando for solicitado pelo titular dos dados pessoais.

7 https://atos.cnj.jus.br/files//provimento/provimento_74_31072018_01082018113730.pdf

8 https://recivil.com.br/wp-content/uploads/2022/09/Orientacoes-Provimento-134-CNJ-Versao-Final.pdf

9 Art. 22. Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso. (Redação dada pela Lei nº 13.286, de 2016)

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Valdeliz Pereira Lopes
Advogada especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; Direito Imobiliário e Condominial.

A importância da especialidade objetiva e subjetiva para a cláusula de vigência e direito de preferência

A importância da especialidade objetiva e subjetiva para a cláusula de vigência e direito de preferência

26/10/2023

O diálogo entre a lei de locação e a lei de registros públicos exige maior cuidado na elaboração contratual para garantir o ingresso do contrato na matrícula e garantir a eficácia da cláusula de vigência e do direito de preferência.

 

A locação imobiliária possui importante papel na economia e sempre que estudamos o instituto, precisamos entender que, mais do que a relação entre particulares, atinge questões sociais como moradia, mercado, emprego, desenvolvimento empresarial e estabilidade econômica.

Neste breve estudo tratamos especificamente de dois direitos instituídos que visam exatamente garantir a segurança jurídica e a estabilidade dos pontos acima descritos, quais sejam, o direito de preferência e a cláusula de vigência do contrato em casos de alienação. 

Antes de adentrar efetivamente na matéria, é preciso mencionar que a lei 8.245/91, regula tanto as locações residências como as não residenciais, trazendo em seu art. 45, uma regra importante na interpretação dos contratos, vejamos:

Art. 45. São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente lei, notadamente as que proíbam a prorrogação prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto.

Segundo Silvio Capanema de Souza, o artigo da lei serve como uma regra genérica, uma espécie de seguro contra fraudes.1

Isto posto, passamos ao contrato de locação, negócio jurídico bilateral, comutativo e não solene, ou seja, pode ser convalidado verbalmente, por instrumento particular ou por escritura pública, adotando a forma plúrima.

A doutrina de Silvio de Salvo Venosa2 ensina que não dependendo de forma preestabelecida, trata-se de contrato não formal, porém, alguns efeitos somente serão alcançados pela forma escrita.

Sendo uma espécie de negócio jurídico, deve ser estudado sobre os três planos: existência, validade e, principalmente, a eficácia.

Como explanamos, a ausência de solenidade remete o tipo contratual para a regra geral do art. 107 do Código Civil, mas condiciona a eficácia de alguns direitos e o efeito erga omnes à publicidade gerada pela averbação ou registro junto ao fólio real.

Nesse sentido a lição de Luiz Guilherme Loureiro:

“A atribuição da oponibilidade mediante o registro confere às situações jurídicas um plus pelo qual os interessados evitam que terceiros atuem como se o ato registrado não existisse. Vale dizer, todo direito ou negócio jurídico inscrito pode ser oposto contra quem quer que seja, ainda que afete suas legítimas expectativas econômicas ou impliquem perda de direitos ou interesse sobre o bem”3 (grifamos)

Pedimos ao leitor especial atenção à parte final da citação, pois como veremos, as expectativas econômicas e a perda de direitos resultam no objetivo principal do estudo sobre a cláusula de vigência e o direito de preferência.

Seja por ato de averbação ou registro, o ingresso do contrato na matrícula do imóvel é uma inscrição declarativa, conforme exemplifica o I. Des. Ricardo Dip em Registros sob Registros #14:

“100. Declarativa diz a inscrição imobiliária que, ainda tendo por objeto um título (em acepção formal), exprime, no entanto, um direito já constituído. Essa inscrição específica -na qual prepondera o fim declaratório- é sempre um post factum constitutivum (ou um post rem), e ela não integra, de nenhum modo, a substância do direito a que se refere…

Algumas dessas determinações estão previstas em lei (são designadas de limitações: p.ex., a inibição de transferir o direito de usufruto, tal o dispõe o Código civil brasileiro, em seu art. 1.393; a obrigação de o condômino contribuir para as despesas de conservação ou divisão da coisa -art. 1.315), outras, todavia, advêm de pactos privados (são chamadas de restrições ou também de cargas reais: assim, as posturas autônomas quanto à edificação, frequentes em loteamentos; a cláusula de vigência locatícia; a multipropriedade; a disciplina das convenções condominiais).” 4

Depreende-se que tanto a cláusula de vigência como o direito de preferência, uma vez levados à publicidade na matrícula do imóvel locado, geram a informação pública de que sobre aquele bem existe uma relação locatícia e com prazo determinado.

Como citamos alhures, a segurança jurídica exige que a forma contratual seja a escrita, ainda que na modalidade particular e eletrônica.

Após o protocolo do contrato perante a Serventia da circunscrição imobiliária, o contrato passa pela qualificação registral, atividade do Registrador, que terá por finalidade analisar extrinsecamente o título e verificar o preenchimento dos requisitos legais para seu registro.

Na cláusula de vigência, como a própria nomenclatura diz, exige-se uma cláusula específica no contrato. A existência da cláusula é condição para a validade do direito de manutenção da vigência. A eficácia de tal direito, por sua vez, advém do seu registro imobiliário.

As legislações especiais, locação e registros públicos, apresentam uma antinomia quanto ao ato registral. O art. 8º da lei 8.245/91, trata o ingresso do contrato como ato de averbação enquanto a lei de registros públicos define no seu rol taxativo do art. 167, I, 3, como ato de registro.

Respeitando as variadas interpretações, em razão da especialidade e do princípio da legalidade, ao qual o Registrador é vinculado, o ato deve ser de registro.

O registro garante ao locatário a vigência do contrato pelo prazo ajustado, sem que uma eventual alienação possa afetar sua moradia ou seu negócio. Não são raros os casos de locações não residenciais em que o locatário procede com substancial investimento no imóvel e, sem condições de exercer o direito de preferência, acaba por ver o contrato denunciado pelo adquirente, restando-lhe apenas o direito a eventual indenização, observados os requisitos legais básicos para esse fim.

A qualificação registral também observa questões de legalidade, como os exigidos pelo art. 8º, quais sejam, o tempo determinado e a existência da cláusula específica. Desta forma, o contrato renovado por prazo indeterminado e sem o devido registro não reúne os requisitos legais.

Questão relevante, mas que deve ficar para outro estudo, é se a ciência inequívoca da locação pelo adquirente afastaria a publicidade do registro.

Já o direito de preferência, é garantido pela lei e não necessita de cláusula específica ou mesmo de averbação, porém, o ato registral irá garantir eficácia perante o adquirente, permitindo que o locatário preterido possa, depositando o preço do negócio dentro de certo lapso temporal, adquirir a propriedade do bem.

Note-se pela redação do art. 27 da lei 8.245/91 que o direito não exige qualquer condição, trata-se de um direito subjetivo e que pode ou não ser exercido, independente de ajuste contratual, no entanto, a publicidade registral gera efeitos diversos ao negócio jurídico conforme o art. 33 da mesma legislação:

Art. 33. O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no cartório de imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel.

O Registrador observará o prazo vigente e que a data do protocolo antecedente ao registro da alienação. Em caso de protocolos no mesmo dia, ainda que se reclame o princípio da prioridade, a preferência não poderá ser exercida, pois o texto do art. 33 fixa o prazo decadencial de 30 (trinta) dias antes da alienação.

Portanto, ao locatário que não exerceu o direito de averbação do contrato, apenas restará pleitear em face do vendedor, antigo locador, uma eventual indenização, enquanto àquele que foi diligente, garante-se o direito de adjudicação na forma da lei.

A extensão dos direitos não é o objeto do estudo, mas a relevância na forma de seu exercício e a eficácia garantida pelo registro.

Para os dois institutos aqui estudados, o ingresso do contrato dar-se-á com apenas uma via do instrumento, assinada pelas partes e por duas testemunhas.

Para a eficácia dos direitos que se dará com a publicidade, é preciso preencher os requisitos legais para atender ao princípio da especialidade subjetiva, devendo o contrato trazer a qualificação completa das partes. Por envolver direitos sobre a propriedade e para preservar o princípio da continuidade, exige-se ao menos um dos proprietários tabulares figure como locador, mitigando-se o princípio quanto aos demais.

É importante atentar-se para a qualificação das partes e a necessidade de averbação de certidões de casamento, divórcio ou óbito, sempre que alterem o registro. (art. 176, II, 4, a e b e art. 176, III, 2, a e b da lei 6.015/73)

Já quanto ao princípio da especialidade objetiva, o contrato deve conter a descrição do imóvel com o número da matrícula e o cartório correspondente. O objeto da locação é o imóvel e sua individualização se dá com a matrícula.

A matrícula é a identificação do imóvel e de seu registro, sendo indispensável sua identificação no contrato, porém, questão a ser indagada é se caberia a mitigação do princípio da especialidade objetiva quanto a descrição das edificações existentes, ausência de averbação da construção e ainda, nos casos de locação parcial do prédio, sem matrículas individualizadas. Entendemos que não.

Nesse sentido a Jurisprudência do C.S.M de São Paulo:

Registro de imóveis – Contrato de locação – Pedido de registro de cláusula de vigência e averbação do direito de preferência – Princípio da especialidade objetiva, porém, que não foi respeitado em razão da divergência existente entre a descrição dos imóveis locados no título e aquela existente no registro – Impossibilidade, neste caso concreto, de cisão do título para registro da locação dos terrenos, deixando-se para momento posterior a averbação da construção, porque o contrato diz respeito à locação de “loja” cujo faturamento servirá como base de cálculo do aluguel – Recurso desprovido. (CSM – Apel. 1042486-34.2016.8.26.0224. D.j. 31/8/18)

Em parecer no processo CG/SP 09/122791 o Juiz auxiliar à época, Dr. José Marcelo Tossi Silva, assim fundamentou:

“Com efeito, no contrato apresentado pela recorrente consta que: “A LOCADORA se obriga, neste ato, a entregar em locação a LOCATÁRIA o imóvel de sua propriedade, já discriminado no endereço supracitado, locação esta que corresponderá a metragem de 127,93m² (correspondente este em 2 (dois) cômodos e 1/3 de área) como quintal em seus fundos)” (fls. 49).

Faltam, no contrato, as respectivas medidas perimetrais, com seus pontos de amarração, de modo a permitir a identificação da localização geodésica do terreno locado e de sua inserção dentro daquele objeto da matrícula 9.864 do Registro de Imóveis de Santo Antonio do Pinhal, com o que não se encontra atendida, mais uma vez, a especialidade do registro imobiliário.”

Verifica-se o quanto é importante uma correta redação contratual, pois a divergência que gera necessidade de retificação ou regularização do imóvel perante o Registro Imobiliário pode inviabilizar o ato de averbação ou registro em prazo útil, afetando a segurança jurídica e diretamente o direito.

O operador do direito deve atentar aos termos dos arts. 222 e 223 da lei 6.015/73 que exigem a indicação da matrícula e do cartório, um detalhe relevante para a elaboração do contrato de forma a respeitar os princípios da especialidade e da legalidade.

A crescente dos contratos eletrônicos e a necessidade de rapidez na formação dos negócios imobiliários não devem ser fatos antagônicos à segurança jurídica, em especial quando pelo sistema da lei de registros públicos podem resultar em uma qualificação negativa.

Demonstrando a importância da atividade registral e da qualificação, citamos respectivamente a lição do Doutor Marcus Vinicius Kikunaga5 para o qual a atividade tem como finalidade, auxiliar o Poder Judiciário, instrumentalizando atos ou negócios consensuais, na busca da paz social; e do Registrador Doutor Flauzilino Araújo dos Santos6, para quem a qualificação registral deve ostentar o signo de integralidade. Sendo um dever do Registrador proceder ao exame exaustivo do título exibido, quer seja uma escritura, um título judicial, um contrato particular com ou sem força de escritura pública, um requerimento

Finalizamos frisando a necessidade de se fomentar o registro do contrato de locação para garantir maior segurança jurídica ao empresário, ao investidor, ao locatário e ao próprio mercado quanto ao cumprimento das obrigações, ponto indissociável da publicidade que só registro imobiliário fornecerá, sendo o estudo prévio e intrínseco de uma matrícula imobiliária um fator primordial para prevenção de litígios.


1 Souza, Sylvio Capanema. A lei do inquilinato comentada: artigo por artigo – 12. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 221

2 VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do Inquilinato Comentada: doutrina e prática: lei 8.245, de 18-10-1991 – 13ª ed. – São Paulo: Atlas, 2014. p.11.

3 loureiro, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática – 10. ed. rev., atual e ampl – Salvador: Ed. Juspodivm, 2019, p. 590.

4 https://www.colegiorisc.org.br/noticias/informativos/ricardo-dip-registros-sobre-registros-14/

5 KIKUNAGA, Marcus. Direito notarial e registral à luz do Código de Defesa do Consumidor: visão estruturada da atividade extrajudicial – São Paulo: Editorial Lepanto, 2019. p. 41.

6 DOS SANTOS, Flauzilino Araújo. Princípio da legalidade e registro de imóveis. Disponível em https://irib.org.br/pessoas/flauzilino-araujo-dos-santos

Luis Fábio Mandina Pereira
Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de São Paulo, sob nº 247.360, advogado especialista em Direito Imobiliário com ênfase em Direito Notarial e Registral pela ESA/OABSP, Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da 116ª Subseção OAB Jabaquara Saúde, membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM), Associado da Academia Nacional de Direito Notarial e Registral (AD NOTARE).